domingo, 17 de julho de 2016

O Burro - Patativa do Assaré

O Burro
Patativa do Assaré  

Vai ele a trote, pelo chão da serra,
Com a vista espantada e penetrante,
E ninguém nota em seu marchar volante,
A estupidez que este animal encerra.

Muitas vezes, manhoso, ele se emperra,
Sem dar uma passada para diante,
Outras vezes, pinota, revoltante,
E sacode o seu dono sobre a terra.

Mas contudo! Este bruto sem noção,
Que é capaz de fazer uma traição,
A quem quer que lhe venha na defesa,

É mais manso e tem mais inteligência
Do que o sábio que trata de ciência
E não crê no Senhor da Natureza.

sábado, 16 de julho de 2016

Alvorada Eterna - J. G. de Araújo Jorge

Alvorada Eterna
J. G. de Araújo Jorge

Quando formos os dois já bem velhinhos,
já bem cansados, trôpegos, vencidos,
um ao outro apoiados, nos caminhos,
depois de tantos sonhos percorridos...

Quando formos os dois já bem velhinhos
a lembrar tempos idos e vividos,
sem mais nada colher, nem mesmo espinhos
nos gestos desfolhados e pendidos...

Quando formos só os dois, já bem velhinhos,
lá onde findam todos os caminhos
e onde a saudade, o chão, de folhas junca...

Olha amor, os meus olhos, bem no fundo,
e hás de ver que este amor em que me inundo
é uma alvorada que não morre nunca!

sexta-feira, 15 de julho de 2016

São Francisco e o Rouxinol - Martins Fontes

São Francisco e o Rouxinol
Martins Fontes

Um rouxinol cantava. Alegremente,
quis São Francisco, no frutal sombrio,
acompanhar o pássaro contente,
e começa a cantar, ao desafio.

E cantavam os dois, junto à corrente
do Arno sonoro, do lendário rio.
Mas Sào Francisco, exausto, finalmente,
parou, tendo cantado horas a fio.

E o rouxinol lá prosseguiu cantando,
redobrando as constantes cantilenas,
os trilados festivos redobrando.

E o santo assim reflete, satisfeito,
que feito foi para escutar, apenas,
e o rouxinol para cantar foi feito.

quinta-feira, 14 de julho de 2016

Páscoa - José Antonio Jacob - Tuka

Páscoa
José Antonio Jacob – Tuka
Juiz de Fora-MG

Eu sinto pena dessa criança crente
Que espia lojas pela tarde fria,
E tem uma esperança sorridente
Defronte o vidro da confeitaria.

Esse garoto bom de olhar carente,
Que não tem casa, mas tem fantasia,
Quer ter o Ovo de Páscoa de presente
Debaixo da marquise, no outro dia.

Um sino tange longe sem razão,
 Jesus morreu na igreja da pracinha,
Pobre Jesus que enfeita a procissão...

Vem alegria: o Cristo não morreu!
Ele ainda é o mesmo que na dor caminha
E esse menino crente ainda sou eu!

quarta-feira, 13 de julho de 2016

Velho Tema II - Vicente de Carvalho

Velho Tema II
Vicente de Carvalho

Eu cantarei de amor tão fortemente
Com tal celeuma e com tamanhos brados
Que afinal teus ouvidos, dominados,
Hão de à força escutar quanto eu sustente.

Quero que meu amor se te apresente
- Não andrajoso e mendigando agrados,
Mas tal como é: risonho e sem cuidados,
Muito de altivo, um tanto de insolente.

Nem ele mais a desejar se atreve
Do que merece: eu te amo, e o meu desejo
Apenas cobra um bem que se me deve.

Clamo, e não gemo; avanço, e não rastejo;
E vou de olhos enxutos e alma leve
À galharda conquista do teu beijo.

terça-feira, 12 de julho de 2016

Barcos de Papel - Guilherme de Almeida

Barcos de Papel
Guilherme de Almeida

Quando a chuva cessava e um vento fino
Franzia a tarde tímida e lavada,
Eu saía a brincar, pela calçada,
Nos meus tempos felizes de menino

Fazia, de papel, toda uma armada;
E, estendendo o meu braço pequenino,
Eu soltava os barquinhos, sem destino,
Ao longo das sarjetas, na enxurrada...

Fiquei moço. E hoje sei, pensando neles,
Que não são barcos de ouro os meus ideais:
São feitos de papel, são como aqueles,

Perfeitamente, exatamente iguais...
- Que os meus barquinhos, lá se foram eles!
Foram-se embora e não voltaram mais!

segunda-feira, 11 de julho de 2016

Da vez primeira em que me assassinaram - Mario Quintana

Da vez primeira em que me assassinaram
Mario Quintana 

Da vez primeira em que me assassinaram
Perdi um jeito de sorrir que eu tinha.
Depois, de cada vez que me mataram,
Foram levando qualquer coisa minha…

E hoje, dos meus cadáveres, eu sou
O mais desnudo, o que não tem mais nada…
Arde um toco de vela, amarelada…
Como o único bem que me ficou!

Vinde, corvos, chacais, ladrões da estrada!
Ah! Desta mão, avaramente adunca,
Ninguém há de arrancar-me a luz sagrada!

Aves da noite! Asas do Horror! Voejai!
Que a luz, trêmula e triste como um ai,
A luz do morto não se apaga nunca!”

domingo, 10 de julho de 2016

Soneto do Amor Total - Vinicius de Moraes

Soneto do Amor Total
Vinicius de Moraes

Amo-te tanto meu amor... não cante
O humano coração com mais verdade...
Amo-te como amigo e como amante
Numa sempre diversa realidade.

Amo-te afim, de um calmo amor prestante
E te amo além, presente na saudade.
Amo-te, enfim, com grande liberdade
Dentro da eternidade e a cada instante.

Amo-te como um bicho, simplesmente
De um amor sem mistério e sem virtude
Com um desejo maciço e permanente.

E de te amar assim, muito e amiúde
É que um dia em teu corpo de repente
Hei de morrer de amar mais do que pude.

sábado, 9 de julho de 2016

Soneto da Separação - Vinícius de Morais

Soneto da Separação
Vinícius de Morais

De repente, do riso fez-se o pranto
Silencioso e branco como a bruma,
E das bocas unidas fez-se a espuma,
E das mãos espalmadas fez-se o espanto.

De repente, da calma fez-se o vento
Que dos olhos desfez a última chama,
E da paixão fez-se o pressentimento,
E do momento imóvel fez-se o drama.

De repente, não mais que de repente,
Fez-se de triste o que se fez amante,
E de sozinho o que se fez contente,

Fez-se do amigo próximo o distante,
Fez-se da vida uma aventura errante,
De repente, não mais que de repente.

sexta-feira, 8 de julho de 2016

Elegia n. 10 - Mauro Motta

Elegia n. 10
Mauro Motta

Insone e inquieta na pequena cama,
Na longa noite, Luciana chora,
E à mamãe tão distante chama, chama,
Como se ela pudesse ouvi-la agora.

Não quer o pai, não quer também sua ama;
Só a mãe que a deixou e foi embora.
No seu choro infantil, pede e reclama
A canção de dormir que ouvia outrora.

Mas, aos poucos, na noite, vejo-a calma,
Para alguém os seus braços se levantam,
Junto do berço, maternal, tua alma

Canta a canção de doces estribilhos
Que as mães, mesmo depois de mortas, cantam
Para embalar os pequeninos filhos.

quinta-feira, 7 de julho de 2016

Beatriz - Humberto de Campos

Beatriz
Humberto de Campos

Bandeirante a sonhar com pedrarias,
com tesouros e minas fabulosas,
do Amor entrei, por ínvias e sombrias
estradas, as florestas tenebrosas.

Tive sonhos de louco, à Fernão Dias...
Vi tesouros sem conta: entre as umbrosas
selvas, o ouro encontrei, e o ônix, e as frias
turquesas, e esmeraldas luminosas...

E por eles passei. Vivi sete anos
na floresta sem fim. Senti ressábios
de amarguras, de dor, de desenganos.

Mas voltei, afinal, vencendo escolhos,
com o rubi palpitante dos seus lábios
E os dois grandes topázios dos seus olhos!

quarta-feira, 6 de julho de 2016

Lágrimas - Bento Ernesto Júnior

Lágrimas
Bento Ernesto Júnior

A vida, meu amor, que hoje passamos
Só pode ser com lágrimas descrita,
Tão grande a dor que o peito nos habita,
Tão amargo este fel que hoje provamos.

Tão nublados de lágrimas levamos
Os olhos, sob o peso da desdita,
Que tudo que ante nós vive e palpita,
Tudo inundado em lágrimas julgamos.

E todo esse lutuoso mar de pranto,
Que vemos em nossa alma e em tudo vemos,
Nasce de havermos nos amado tanto!...

Porém, embora a amar, tanto soframos,
Cada vez mais, amada, nos queremos,
Cada vez mais, querida, nos amamos.

terça-feira, 5 de julho de 2016

Estranhas Lágrimas - Félix Pacheco

Estranhas Lágrimas
Félix Pacheco

Lágrimas... Noutras épocas verti-as.
Não tinha o olhar enxuto, como agora,
- Alma, dizia então comigo, chora,
Que o pranto diminui as agonias.

Ah! Quantas vezes pelas faces frias,
Por mal do meu amor, que se ia embora,
Gota a gota, rolando, elas outrora,
Marcaram noites e marcaram dias!

Vinham do oceano da alma, imenso e fundo,
Ondas de angústia, em suspiroso arranco,
Numa desesperança acerba e louca.

Nos olhos, hoje, as lágrimas estanco,
Mas rolam todas, sem que as veja o mundo,
Sob a forma de risos, pela boca.

segunda-feira, 4 de julho de 2016

O Monge - Raimundo Correia

O Monge
Raimundo Correia

“O coração da infância – eu lhe dizia –
É manso”. E ele me disse: - “Essas estradas,
Quando, novo Eliseu, as percorria,
As crianças lançavam-me pedradas...”

Falei-lhe, então, na glória e na alegria;
E ele – alvas barbas longas derramadas
No burel negro – o olhar somente erguia
Às cérulas regiões ilimitadas...

Quando eu, porém, falei no amor, um riso
Súbito as faces do impassível monge
Iluminou... Era o vislumbre incerto,

Era a luz de um crepúsculo indeciso
Entre os clarões de um sol que já vai longe
E as sombras de uma noite que vem perto!...

domingo, 3 de julho de 2016

Passei a noite junto dela - Álvares de Azevedo

Passei a noite junto dela
Álvares de Azevedo

Passei a noite junto dela.
Do camarote a divisão se erguia
Apenas entre nós – e eu vivia
No doce alento dessa virgem bela...

Tanto amor, tanto fogo se revela
Naqueles olhos negros! Só a via!
Música mais do céu, mais harmonia
Aspirando nessa alma de donzela!

Como era doce aquele seio arfando!
Nos lábios que sorriso feiticeiro!
Daquelas horas lembro-me chorando!

Mas o que é triste e dói ao mundo inteiro
É sentir todo o seio palpitando...
Cheio de amores! E dormir solteiro...

sábado, 2 de julho de 2016

O Morcego - Augusto dos Anjos

O Morcego
Augusto dos Anjos

Meia-noite. Ao meu quarto me recolho.
Meu Deus! E este morcego! E, agora, vede:
Na bruta ardência orgânica da sede,
Morde-me a goela ígneo e escaldante molho.

“Vou mandar levantar outra parede...”
- Digo. Ergo-me a tremer. Fecho o ferrolho
E olho o teto. E vejo-o ainda, igual a um olho,
Circularmente sobre a minha rede!

Pego de um pau. Esforços faço. Chego
A tocá-lo. Minh’alma se concentra.
Que ventre produziu tão feio parto?!

A Consciência Humana é este morcego!
Por mais que a gente faça, à noite, ele entra
Imperceptivelmente em nosso quarto!

sexta-feira, 1 de julho de 2016

Budismo Moderno - Augusto dos Anjos

Budismo Moderno
Augusto dos Anjos

Tome, Doutor, esta tesoura, e... corte
Minha singularíssima pessoa.
Que importa a mim que a bicharada roa
Todo o meu coração, depois da morte?!

Ah! Um urubu pousou na minha sorte!
Também, das diatomáceas da lagoa
A criptógama cápsula se esbroa
Ao contado de bronca destra forte!

Dissolva-se, portanto, minha vida
Igualmente a uma célula caída
Na aberração de um óvulo infecundo;

Mas o agregado abstrato das saudades
Fique batendo nas perpétuas grades

Do último verso que eu fizer no mundo!

quinta-feira, 30 de junho de 2016

Terra do Brasil - D. Pedro II

Terra do Brasil
Pedro de Alcântara (D. Pedro II) (Escrito em Paris)

Espavorida agita-se a criança,
De noturnos fantasmas com receio,
Mas se abrigo lhe dá materno seio,
Fecha os doridos olhos e descansa.

Perdida é para mim toda esperança
De volver ao Brasil: de lá me veio
Um pugilo de terra: e nesta creio
Brando será meu sono e sem tardança...

Qual o infante a dormir em peito amigo,
Tristes sombras varrendo-me a memória,
Ó doce Pátria, sonharei contigo!

E entre visões de paz, de luz, de glória,
Sereno aguardarei no meu jazigo
A justiça de Deus na voz da história!

quarta-feira, 29 de junho de 2016

O Sonho dos Sonhos - Múcio Teixeira

O Sonho dos Sonhos
Múcio Teixeira

Quanto mais lanço as vistas ao passado,
Mais sinto ter passado distraído,
Por tanto bem – tão mal compreendido,
Por tanto mal – tão bem recompensado!...

Em vão relanço o meu olhar cansado
Pelo sombrio espaço percorrido:
Andei tanto – em tão pouco... e já perdido
Vejo tudo o que vi, sem ter olhado.

E assim prossigo, sempre audaz e errante,
Vendo o que mais procuro mais distante,
Sem ter nada – de tudo que já tive...

Quanto mais lanço as vistas ao passado,
Mais julgo a vida – o sonho mal sonhado
De quem nem sonha que a sonhar se vive!...

terça-feira, 28 de junho de 2016

Soneto da Fidelidade - Vinícius de Morais

Soneto da Fidelidade
Vinícius de Morais

De tudo, ao meu amor serei atento
Antes, e com tal zelo, e sempre, e tanto
Que, mesmo em face do maior encanto,
Dele se encante mais meu pensamento.

Quero vivê-lo em cada vão momento
E em seu louvor hei de espalhar meu canto
E rir meu riso e derramar meu pranto
Ao seu pesar ou seu contentamento.

E assim, quando mais triste me procure
Quem sabe a morte, angústia de quem vive,
Quem sabe a solidão, fim de quem ama,

Eu possa me dizer do amor (que tive):
Que não seja imortal, posto que é chama,
Mas que seja infinito enquanto dure.

segunda-feira, 27 de junho de 2016

Legado - Carlos Drummond de Andrade

Legado
Carlos Drummond de Andrade

Que lembrança darei ao país que me deu
tudo que lembro e sei, tudo quanto senti?
Na noite do sem-fim, breve o tempo esqueceu
minha incerta medalha, e a meu nome se ri.

E mereço esperar mais do que os outros, eu?
Tu não me enganas, mundo, e não te engano a ti.
Esses monstros atuais, não os cativa Orfeu,
a vagar, taciturno, entre o talvez e o si.

Não deixarei de mim nenhum canto radioso,
uma voz matinal palpitando na bruma
e que arranque de alguém seu mais secreto espinho.

De tudo quanto foi meu passo caprichoso
na vida restará, pois o resto se esfuma,
uma pedra que havia em meio do caminho.

domingo, 26 de junho de 2016

Renúncia - Manuel Bandeira

Renúncia
Manuel Bandeira

Chora de manso e no íntimo... Procura
curtir sem queixa o mal que te crucia:
o mundo é sem piedade e até riria
da tua inconsolável amargura.

Só a dor enobrece e é grande e é pura.
Aprende a amá-la que a amarás um dia.
Então ela será tua alegria,
e será. ela só, tua ventura...

A vida é vã como a sombra que passa...
Sofre sereno e de alma sobranceira,
sem um grito sequer, tua desgraça.

Encerra em ti tua tristeza inteira.
E pede humildemente a Deus que a faça
tua doce e constante companheira...

sábado, 25 de junho de 2016

A Espera - Manuel Batista Cepelos

A Espera
Manuel Batista Cepelos

Com sua voz assustadinha e doce,
Doce como um trinar de passarinho,
Ela me disse que esperá-la fosse,
Fosse esperá-la à beira do caminho.

Mas o tempo de espera prolongou-se,
Prolongou-se demais! E, então, sozinho,
Passei o dia. Veio a tarde e trouxe,
Trouxe arrulhos de amor, de ninho em ninho.

Desespero. O silêncio me tortura.
Mas de repente, alvoroçado escuto
Um farfalhar de folhas na espessura.

Ela chega e tão linda, de maneira
Que só para gozar este minuto
Eu a esperara a minha vida inteira.

sexta-feira, 24 de junho de 2016

Legenda dos Dias - Raul de Leoni

Legenda dos Dias
Raul de Leoni

O Homem desperta e sai cada alvorada
Para o acaso das cousas... e à saída,
Leva uma crença vaga, indefinida,
De achar o ideal nalguma encruzilhada...

As horas morrem sobre as horas... Nada!
E ao Poente, o Homem, com a sombra recolhida,
Volta pensando: "Se o Ideal da Vida
Não veio hoje, virá na outra jornada “...

Ontem, hoje, amanhã, depois, e, assim,
Mais ele avança, mais distante é o fim,
Mais se afasta o horizonte pela esfera...

E a Vida passa... efêmera e vazia;
Um adiamento eterno que se espera,
Numa eterna esperança que se adia...

quinta-feira, 23 de junho de 2016

Velho Tema (I) - Vicente de Carvalho

Velho Tema (I)
Vicente de Carvalho

Só a leve esperança, em toda a vida,
Disfarça a pena de viver, mais nada.
Nem é mais a existência, resumida,
Que uma grande esperança malograda.

O eterno sonho da alma desterrada,
Sonho que a traz ansiosa e embevecida,
É uma hora feliz sempre adiada
E que não chega nunca em toda a vida.

Essa felicidade que supomos,
Árvore milagrosa, que sonhamos
Toda arreada de dourados pomos,

Existe, sim, mas nós não a alcançamos,
Porque está apenas onde nós a pomos
E nunca a pomos onde nós estamos.

quarta-feira, 22 de junho de 2016

As Pombas - Raimundo Correia

As Pombas
Raimundo Correia

Vai-se a primeira pomba despertada...
Vai-se outra mais... mais outra... enfim dezenas
De pombas, vão-se dos pombais, apenas
Raia, sanguínea e fresca, a madrugada...

E, à tarde, quando a rígida nortada
Sopra, aos pombais, de novo, elas serenas,
Ruflando as asas, sacudindo as penas,
Voltam todas em bando e em revoada...

Também dos corações, onde abotoam,
Os sonhos, um por um, céleres voam,
Como voam as pombas dos pombais:

No azul da adolescência as asas soltam,
Fogem... Mas aos pombais as pombas voltam,
E eles ao coração não voltam mais!...

terça-feira, 21 de junho de 2016

Ato de Caridade - Djalma Andrade

Ato de Caridade
Djalma Andrade

Que eu faça o bem e de tal modo o faça,
Que ninguém saiba o quanto me custou.
- Mãe, espero de Ti mais esta graça:
Que eu seja bom, sem parecer que o sou.

Que o pouco que me dês, me satisfaça
E, se do pouco mesmo, algum sobrou,
Que eu leve esta migalha onde a desgraça
Inesperadamente penetrou.

Que a minha mesa, a mais, tenha um talher,
Que será, minha Mãe, Senhora Nossa,
Para o pobre faminto que vier.

Que eu transponha tropeços e embaraços:
- Que eu não coma, sozinho, o pão que possa
Ser partido, por mim, em dois pedaços!

segunda-feira, 20 de junho de 2016

O Frade e a Freira - Benjamim Silva

O Frade e a Freira
Benjamim Silva

Na atitude piedosa de quem reza
E como que num hábito embuçado,
Pôs naquele recanto a natureza
A figura de um frade recurvado.

E sob um negro manto de tristeza
Vê-se uma freira tímida a seu lado,
Que vive ali rezando, com certeza,
Uma oração de amor e de pecado...

Diz a lenda - uma lenda que espalharam -
Que aqui, dentre os antigos habitantes,
Houve um frade e uma freira que se amaram...

Mas que Deus os perdoou lá do infinito,
E eternizou o amor dos dois amantes
Nessas duas montanhas de granito!

domingo, 19 de junho de 2016

Contraste - Padre Antônio Tomás

Contraste
Padre Antonio Tomás

Quando partimos no verdor dos anos,
Da vida pela estrada florescente,
As esperanças vão conosco à frente,
E vão ficando atrás os desenganos.

Rindo e cantando, céleres e ufanos,
Vamos marchando descuidosamente...
Eis que chega a velhice, de repente,
Desfazendo ilusões, matando enganos.

Então, nós enxergamos, claramente,
Como a existência é rápida e falaz,
E vemos que sucede exatamente

O contrário dos tempos de rapaz:
- Os desenganos vão conosco à frente

E as esperanças vão ficando atrás.

sábado, 18 de junho de 2016

Hão de chorar por ela os Cinamomos... - Alphonsus de Guimaraens

Hão de chorar por ela os Cinamomos...
Alphonsus de Guimaraens

Hão de chorar por ela os cinamomos,
Murchando as flores ao tombar do dia.
Dos laranjais hão-de cair os pomos,
Lembrando-se daquela que os colhia.

As estrelas dirão: - "Ai! nada somos,
Pois ela se morreu silente e fria"...
E, pondo os olhos nela como pomos,
Hão-de chorar a irmã que lhes sorria.

A Lua, que lhe foi mãe carinhosa,
Que a viu nascer e amar, há-de envolvê-la
Entre lírios e pétalas de rosa.

Os meus sonhos de amor serão defuntos...
E os arcanjos dirão no azul, ao vê-la,
Pensando em mim: - "Por que não vieram juntos?".

sexta-feira, 17 de junho de 2016

Para o meu Perdão - Adelmar Tavares

Para o meu Perdão
Adelmar Tavares

Eu que proclamo odiar-te, eu que proclamo
Querer-te mal, com fúria e com rancor,
Mal sabes tu como, em segredo, te amo
O vulto pensativo e sofredor.

Quem vê o fel que em cólera derramo,
No ódio que punge, desesperador,
Mal sabe que, se a sós me encontro, chamo
Por teu amor, com o mais profundo amor...

Mal sabe que, se acaso, novamente,
Buscasses o calor do velho ninho
De onde um capricho te fizera ausente,

Eu, esquecendo a tua ingratidão,
Juncaria de rosas o caminho
Em que voltasses para o meu perdão...

quinta-feira, 16 de junho de 2016

Roseiras Dolorosas - José Antônio Jacob (Tuka)

Roseiras Dolorosas
José Antonio Jacob – Tuka
(Juiz de Fora)

Estou sozinho em meu jardim sem cores
E, ainda que eu tenha mágoas bem guardadas,
Cuido dessas roseiras desmaiadas
Que em meu canteiro nunca abriram flores.

Tais quais receosas almas delicadas
Elas se encolhem sobre seus temores
E abortam seus rebentos nas ramadas,
Enquanto vão morrendo em suas dores.

Quantas almas, que por serem assim,
Como essas tristes plantas no jardim,
Calam-se a olhar o nada, tão descrentes...

Feito as minhas roseiras dolorosas
Que só olham para a vida, indiferentes,
E não me dão espinhos e nem rosas.

quarta-feira, 15 de junho de 2016

Quanto Tempo nos Resta? - José Antônio Jacob (Tuka)

Quanto Tempo nos Resta?
José Antonio Jacob – Tuka
(Juiz de Fora)

Nossa vida é uma história mal contada,
Uma vaga novela incompreendida...
Para alguns é um feliz conto de fada,
Para outros uma lenda indefinida...

Vivemos de alvorada em alvorada,
(Que tempo ainda nos resta nessa vida?)
A dar sorrisos largos na chegada
E a lamentar a perda na partida.

Que bom matar o tempo numa rede,
Se ele nos desse a viva eternidade
De um quadro pendurado na parede...

E, enquanto a vida passa e o tempo avança,
Quanta tristeza vai numa saudade,
Quanta alegria vem numa esperança!

terça-feira, 14 de junho de 2016

O Beijo de Jesus - José Antônio Jacob (Tuka)

O Beijo de Jesus
José Antonio Jacob - Tuka
(Juiz de Fora)

Eu era criança, mas já percebia,
O pouco pão que havia em nossa mesa
E a aparência acanhada da pobreza
Que tinha a nossa casa tão vazia.

De noite, antes do sono, uma certeza:
A minha mãe rezava a Ave-Maria!
E ao terminar a prece eu sempre via
No seu olhar uma esperança acesa.

Após a reza desligava a luz,
Beijava o crucifixo, e a fé era tanta,
Que adormecia perto de Jesus.

Depois que ela dormia (isso que encanta)
Nosso Senhor descia ali da cruz
Para beijar a sua face santa...

domingo, 12 de junho de 2016

Talvez o vento saiba - Ivan Junqueira

Talvez o vento saiba
Ivan Junqueira

Talvez o vento saiba dos meus passos,
das sendas que os meus pés já não abordam,
das ondas cujas cristas não transbordam
senão o sal que escorre dos meus braços.

As sereias que ouvi não mais acordam
à cálida pressão dos meus abraços,
e o que a infância teceu entre sargaços
as agulhas do tempo já não bordam.

Só vejo sobre a areia vagos traços
de tudo o que meus olhos mal recordam
e os dentes, por inúteis, não concordam

sequer em mastigar como bagaços.
Talvez se lembre o vento desses laços
que a dura mão de Deus fez em pedaços.

sábado, 11 de junho de 2016

Ser Feliz! - Menotti del Picchia

Ser Feliz!
Menotti del Picchia

Ser feliz! Ser feliz estava em mim, Senhora...
Este sonho que ergui, o poderia pôr
Onde quisesse, longe até da minha dor,
Em um lugar qualquer onde a ventura mora;

Onde, quando o buscasse, o encontrasse a toda hora,
Tivesse-o em minhas mãos... Mas, louco sonhador,
Eu coloquei muito alto o meu sonho de amor:
Guardei-o em vosso olhar e me arrependo agora.

O homem foi sempre assim... Em sua ingenuidade,
Teme levar consigo o próprio sonho, a esmo,
E oculta-o, sem saber se depois o achará...

E, quando vai buscar sua felicidade,
Ele, que poderia encontrá-la em si mesmo,
Escondeu-a tão bem que não sabe onde está!

sexta-feira, 10 de junho de 2016

"Desfolhando" - J.G. de Araújo Jorge

"Desfolhando"
J.G. de Araújo Jorge

Essa boca, pequena, e assim vermelha,
Que ao botão de uma rosa se assemelha,
- Quanta vez provocava os meus desejos
Desabrochando em flor entre os meus beijos...

Essa boca, pequena e mentirosa,
Que diz, tanta mentira cor-de-rosa,
- Era a taça de amor onde eu saciava
Toda a ansiedade da minha alma escrava ...

Beijando-a, compreendia que eras minha...
Meu amor transformava-te em rainha,
Teu amor me fazia mais que um rei...

Agora, tu fugiste... E eu sofro, quando
Vejo um outro em teus lábios desfolhando
A mesma rosa que eu desabrochei!...

quinta-feira, 9 de junho de 2016

A um Pintassilgo - Belmiro Braga

A um Pintassilgo
Belmiro Braga

Por que vens tu cantar, ó passarinho,
Por entre as folhas úmidas de orvalho,
No flóreo jasmineiro meu vizinho
E mesmo em frente à mesa onde eu trabalho?

Por que não vais vigiar teu fofo ninho
(Não te zangues comigo, eu não te ralho)
A baloiçar à margem do caminho,
Qual rosa escura num recurvo galho?

Tu tens em que cuidar; por isso, voa
E deixa-me sozinho... Esse teu canto,
Embora sendo alegre, me magoa...

Não te demoras, vai! Deixa-me agora,
Que o teu gorjeio me faz mal, porquanto
Nunca se canta ao lado de quem chora...

quarta-feira, 8 de junho de 2016

Risália - Belmiro Braga

Risália
Belmiro Braga

Se ouvires, a sonhar, uns vãos rumores,
Não são as aves festejando o dia:
- São os últimos gritos que te envia
Meu triste coração, morto de amores...

Se sentires uns tépidos olores,
Não penses que é o rosal que te inebria:
- É a minha alma nas ânsias da agonia
Que, só por te beijar, se muda em flores...

Se vires baloiçar as níveas gazas
Do docel de teu leito, não te afoites,
Nem te assustes, querida! São meus zelos

Que vão, de leve, sacudindo as asas,
Carinhosos, beijar, todas as noites,
Teus olhos, tua fronte e teus cabelos...