quinta-feira, 30 de junho de 2016

Terra do Brasil - D. Pedro II

Terra do Brasil
Pedro de Alcântara (D. Pedro II) (Escrito em Paris)

Espavorida agita-se a criança,
De noturnos fantasmas com receio,
Mas se abrigo lhe dá materno seio,
Fecha os doridos olhos e descansa.

Perdida é para mim toda esperança
De volver ao Brasil: de lá me veio
Um pugilo de terra: e nesta creio
Brando será meu sono e sem tardança...

Qual o infante a dormir em peito amigo,
Tristes sombras varrendo-me a memória,
Ó doce Pátria, sonharei contigo!

E entre visões de paz, de luz, de glória,
Sereno aguardarei no meu jazigo
A justiça de Deus na voz da história!

quarta-feira, 29 de junho de 2016

O Sonho dos Sonhos - Múcio Teixeira

O Sonho dos Sonhos
Múcio Teixeira

Quanto mais lanço as vistas ao passado,
Mais sinto ter passado distraído,
Por tanto bem – tão mal compreendido,
Por tanto mal – tão bem recompensado!...

Em vão relanço o meu olhar cansado
Pelo sombrio espaço percorrido:
Andei tanto – em tão pouco... e já perdido
Vejo tudo o que vi, sem ter olhado.

E assim prossigo, sempre audaz e errante,
Vendo o que mais procuro mais distante,
Sem ter nada – de tudo que já tive...

Quanto mais lanço as vistas ao passado,
Mais julgo a vida – o sonho mal sonhado
De quem nem sonha que a sonhar se vive!...

terça-feira, 28 de junho de 2016

Soneto da Fidelidade - Vinícius de Morais

Soneto da Fidelidade
Vinícius de Morais

De tudo, ao meu amor serei atento
Antes, e com tal zelo, e sempre, e tanto
Que, mesmo em face do maior encanto,
Dele se encante mais meu pensamento.

Quero vivê-lo em cada vão momento
E em seu louvor hei de espalhar meu canto
E rir meu riso e derramar meu pranto
Ao seu pesar ou seu contentamento.

E assim, quando mais triste me procure
Quem sabe a morte, angústia de quem vive,
Quem sabe a solidão, fim de quem ama,

Eu possa me dizer do amor (que tive):
Que não seja imortal, posto que é chama,
Mas que seja infinito enquanto dure.

segunda-feira, 27 de junho de 2016

Legado - Carlos Drummond de Andrade

Legado
Carlos Drummond de Andrade

Que lembrança darei ao país que me deu
tudo que lembro e sei, tudo quanto senti?
Na noite do sem-fim, breve o tempo esqueceu
minha incerta medalha, e a meu nome se ri.

E mereço esperar mais do que os outros, eu?
Tu não me enganas, mundo, e não te engano a ti.
Esses monstros atuais, não os cativa Orfeu,
a vagar, taciturno, entre o talvez e o si.

Não deixarei de mim nenhum canto radioso,
uma voz matinal palpitando na bruma
e que arranque de alguém seu mais secreto espinho.

De tudo quanto foi meu passo caprichoso
na vida restará, pois o resto se esfuma,
uma pedra que havia em meio do caminho.

domingo, 26 de junho de 2016

Renúncia - Manuel Bandeira

Renúncia
Manuel Bandeira

Chora de manso e no íntimo... Procura
curtir sem queixa o mal que te crucia:
o mundo é sem piedade e até riria
da tua inconsolável amargura.

Só a dor enobrece e é grande e é pura.
Aprende a amá-la que a amarás um dia.
Então ela será tua alegria,
e será. ela só, tua ventura...

A vida é vã como a sombra que passa...
Sofre sereno e de alma sobranceira,
sem um grito sequer, tua desgraça.

Encerra em ti tua tristeza inteira.
E pede humildemente a Deus que a faça
tua doce e constante companheira...

sábado, 25 de junho de 2016

A Espera - Manuel Batista Cepelos

A Espera
Manuel Batista Cepelos

Com sua voz assustadinha e doce,
Doce como um trinar de passarinho,
Ela me disse que esperá-la fosse,
Fosse esperá-la à beira do caminho.

Mas o tempo de espera prolongou-se,
Prolongou-se demais! E, então, sozinho,
Passei o dia. Veio a tarde e trouxe,
Trouxe arrulhos de amor, de ninho em ninho.

Desespero. O silêncio me tortura.
Mas de repente, alvoroçado escuto
Um farfalhar de folhas na espessura.

Ela chega e tão linda, de maneira
Que só para gozar este minuto
Eu a esperara a minha vida inteira.

sexta-feira, 24 de junho de 2016

Legenda dos Dias - Raul de Leoni

Legenda dos Dias
Raul de Leoni

O Homem desperta e sai cada alvorada
Para o acaso das cousas... e à saída,
Leva uma crença vaga, indefinida,
De achar o ideal nalguma encruzilhada...

As horas morrem sobre as horas... Nada!
E ao Poente, o Homem, com a sombra recolhida,
Volta pensando: "Se o Ideal da Vida
Não veio hoje, virá na outra jornada “...

Ontem, hoje, amanhã, depois, e, assim,
Mais ele avança, mais distante é o fim,
Mais se afasta o horizonte pela esfera...

E a Vida passa... efêmera e vazia;
Um adiamento eterno que se espera,
Numa eterna esperança que se adia...

quinta-feira, 23 de junho de 2016

Velho Tema (I) - Vicente de Carvalho

Velho Tema (I)
Vicente de Carvalho

Só a leve esperança, em toda a vida,
Disfarça a pena de viver, mais nada.
Nem é mais a existência, resumida,
Que uma grande esperança malograda.

O eterno sonho da alma desterrada,
Sonho que a traz ansiosa e embevecida,
É uma hora feliz sempre adiada
E que não chega nunca em toda a vida.

Essa felicidade que supomos,
Árvore milagrosa, que sonhamos
Toda arreada de dourados pomos,

Existe, sim, mas nós não a alcançamos,
Porque está apenas onde nós a pomos
E nunca a pomos onde nós estamos.

quarta-feira, 22 de junho de 2016

As Pombas - Raimundo Correia

As Pombas
Raimundo Correia

Vai-se a primeira pomba despertada...
Vai-se outra mais... mais outra... enfim dezenas
De pombas, vão-se dos pombais, apenas
Raia, sanguínea e fresca, a madrugada...

E, à tarde, quando a rígida nortada
Sopra, aos pombais, de novo, elas serenas,
Ruflando as asas, sacudindo as penas,
Voltam todas em bando e em revoada...

Também dos corações, onde abotoam,
Os sonhos, um por um, céleres voam,
Como voam as pombas dos pombais:

No azul da adolescência as asas soltam,
Fogem... Mas aos pombais as pombas voltam,
E eles ao coração não voltam mais!...

terça-feira, 21 de junho de 2016

Ato de Caridade - Djalma Andrade

Ato de Caridade
Djalma Andrade

Que eu faça o bem e de tal modo o faça,
Que ninguém saiba o quanto me custou.
- Mãe, espero de Ti mais esta graça:
Que eu seja bom, sem parecer que o sou.

Que o pouco que me dês, me satisfaça
E, se do pouco mesmo, algum sobrou,
Que eu leve esta migalha onde a desgraça
Inesperadamente penetrou.

Que a minha mesa, a mais, tenha um talher,
Que será, minha Mãe, Senhora Nossa,
Para o pobre faminto que vier.

Que eu transponha tropeços e embaraços:
- Que eu não coma, sozinho, o pão que possa
Ser partido, por mim, em dois pedaços!

segunda-feira, 20 de junho de 2016

O Frade e a Freira - Benjamim Silva

O Frade e a Freira
Benjamim Silva

Na atitude piedosa de quem reza
E como que num hábito embuçado,
Pôs naquele recanto a natureza
A figura de um frade recurvado.

E sob um negro manto de tristeza
Vê-se uma freira tímida a seu lado,
Que vive ali rezando, com certeza,
Uma oração de amor e de pecado...

Diz a lenda - uma lenda que espalharam -
Que aqui, dentre os antigos habitantes,
Houve um frade e uma freira que se amaram...

Mas que Deus os perdoou lá do infinito,
E eternizou o amor dos dois amantes
Nessas duas montanhas de granito!

domingo, 19 de junho de 2016

Contraste - Padre Antônio Tomás

Contraste
Padre Antonio Tomás

Quando partimos no verdor dos anos,
Da vida pela estrada florescente,
As esperanças vão conosco à frente,
E vão ficando atrás os desenganos.

Rindo e cantando, céleres e ufanos,
Vamos marchando descuidosamente...
Eis que chega a velhice, de repente,
Desfazendo ilusões, matando enganos.

Então, nós enxergamos, claramente,
Como a existência é rápida e falaz,
E vemos que sucede exatamente

O contrário dos tempos de rapaz:
- Os desenganos vão conosco à frente

E as esperanças vão ficando atrás.

sábado, 18 de junho de 2016

Hão de chorar por ela os Cinamomos... - Alphonsus de Guimaraens

Hão de chorar por ela os Cinamomos...
Alphonsus de Guimaraens

Hão de chorar por ela os cinamomos,
Murchando as flores ao tombar do dia.
Dos laranjais hão-de cair os pomos,
Lembrando-se daquela que os colhia.

As estrelas dirão: - "Ai! nada somos,
Pois ela se morreu silente e fria"...
E, pondo os olhos nela como pomos,
Hão-de chorar a irmã que lhes sorria.

A Lua, que lhe foi mãe carinhosa,
Que a viu nascer e amar, há-de envolvê-la
Entre lírios e pétalas de rosa.

Os meus sonhos de amor serão defuntos...
E os arcanjos dirão no azul, ao vê-la,
Pensando em mim: - "Por que não vieram juntos?".

sexta-feira, 17 de junho de 2016

Para o meu Perdão - Adelmar Tavares

Para o meu Perdão
Adelmar Tavares

Eu que proclamo odiar-te, eu que proclamo
Querer-te mal, com fúria e com rancor,
Mal sabes tu como, em segredo, te amo
O vulto pensativo e sofredor.

Quem vê o fel que em cólera derramo,
No ódio que punge, desesperador,
Mal sabe que, se a sós me encontro, chamo
Por teu amor, com o mais profundo amor...

Mal sabe que, se acaso, novamente,
Buscasses o calor do velho ninho
De onde um capricho te fizera ausente,

Eu, esquecendo a tua ingratidão,
Juncaria de rosas o caminho
Em que voltasses para o meu perdão...

quinta-feira, 16 de junho de 2016

Roseiras Dolorosas - José Antônio Jacob (Tuka)

Roseiras Dolorosas
José Antonio Jacob – Tuka
(Juiz de Fora)

Estou sozinho em meu jardim sem cores
E, ainda que eu tenha mágoas bem guardadas,
Cuido dessas roseiras desmaiadas
Que em meu canteiro nunca abriram flores.

Tais quais receosas almas delicadas
Elas se encolhem sobre seus temores
E abortam seus rebentos nas ramadas,
Enquanto vão morrendo em suas dores.

Quantas almas, que por serem assim,
Como essas tristes plantas no jardim,
Calam-se a olhar o nada, tão descrentes...

Feito as minhas roseiras dolorosas
Que só olham para a vida, indiferentes,
E não me dão espinhos e nem rosas.

quarta-feira, 15 de junho de 2016

Quanto Tempo nos Resta? - José Antônio Jacob (Tuka)

Quanto Tempo nos Resta?
José Antonio Jacob – Tuka
(Juiz de Fora)

Nossa vida é uma história mal contada,
Uma vaga novela incompreendida...
Para alguns é um feliz conto de fada,
Para outros uma lenda indefinida...

Vivemos de alvorada em alvorada,
(Que tempo ainda nos resta nessa vida?)
A dar sorrisos largos na chegada
E a lamentar a perda na partida.

Que bom matar o tempo numa rede,
Se ele nos desse a viva eternidade
De um quadro pendurado na parede...

E, enquanto a vida passa e o tempo avança,
Quanta tristeza vai numa saudade,
Quanta alegria vem numa esperança!

terça-feira, 14 de junho de 2016

O Beijo de Jesus - José Antônio Jacob (Tuka)

O Beijo de Jesus
José Antonio Jacob - Tuka
(Juiz de Fora)

Eu era criança, mas já percebia,
O pouco pão que havia em nossa mesa
E a aparência acanhada da pobreza
Que tinha a nossa casa tão vazia.

De noite, antes do sono, uma certeza:
A minha mãe rezava a Ave-Maria!
E ao terminar a prece eu sempre via
No seu olhar uma esperança acesa.

Após a reza desligava a luz,
Beijava o crucifixo, e a fé era tanta,
Que adormecia perto de Jesus.

Depois que ela dormia (isso que encanta)
Nosso Senhor descia ali da cruz
Para beijar a sua face santa...

domingo, 12 de junho de 2016

Talvez o vento saiba - Ivan Junqueira

Talvez o vento saiba
Ivan Junqueira

Talvez o vento saiba dos meus passos,
das sendas que os meus pés já não abordam,
das ondas cujas cristas não transbordam
senão o sal que escorre dos meus braços.

As sereias que ouvi não mais acordam
à cálida pressão dos meus abraços,
e o que a infância teceu entre sargaços
as agulhas do tempo já não bordam.

Só vejo sobre a areia vagos traços
de tudo o que meus olhos mal recordam
e os dentes, por inúteis, não concordam

sequer em mastigar como bagaços.
Talvez se lembre o vento desses laços
que a dura mão de Deus fez em pedaços.

sábado, 11 de junho de 2016

Ser Feliz! - Menotti del Picchia

Ser Feliz!
Menotti del Picchia

Ser feliz! Ser feliz estava em mim, Senhora...
Este sonho que ergui, o poderia pôr
Onde quisesse, longe até da minha dor,
Em um lugar qualquer onde a ventura mora;

Onde, quando o buscasse, o encontrasse a toda hora,
Tivesse-o em minhas mãos... Mas, louco sonhador,
Eu coloquei muito alto o meu sonho de amor:
Guardei-o em vosso olhar e me arrependo agora.

O homem foi sempre assim... Em sua ingenuidade,
Teme levar consigo o próprio sonho, a esmo,
E oculta-o, sem saber se depois o achará...

E, quando vai buscar sua felicidade,
Ele, que poderia encontrá-la em si mesmo,
Escondeu-a tão bem que não sabe onde está!

sexta-feira, 10 de junho de 2016

"Desfolhando" - J.G. de Araújo Jorge

"Desfolhando"
J.G. de Araújo Jorge

Essa boca, pequena, e assim vermelha,
Que ao botão de uma rosa se assemelha,
- Quanta vez provocava os meus desejos
Desabrochando em flor entre os meus beijos...

Essa boca, pequena e mentirosa,
Que diz, tanta mentira cor-de-rosa,
- Era a taça de amor onde eu saciava
Toda a ansiedade da minha alma escrava ...

Beijando-a, compreendia que eras minha...
Meu amor transformava-te em rainha,
Teu amor me fazia mais que um rei...

Agora, tu fugiste... E eu sofro, quando
Vejo um outro em teus lábios desfolhando
A mesma rosa que eu desabrochei!...

quinta-feira, 9 de junho de 2016

A um Pintassilgo - Belmiro Braga

A um Pintassilgo
Belmiro Braga

Por que vens tu cantar, ó passarinho,
Por entre as folhas úmidas de orvalho,
No flóreo jasmineiro meu vizinho
E mesmo em frente à mesa onde eu trabalho?

Por que não vais vigiar teu fofo ninho
(Não te zangues comigo, eu não te ralho)
A baloiçar à margem do caminho,
Qual rosa escura num recurvo galho?

Tu tens em que cuidar; por isso, voa
E deixa-me sozinho... Esse teu canto,
Embora sendo alegre, me magoa...

Não te demoras, vai! Deixa-me agora,
Que o teu gorjeio me faz mal, porquanto
Nunca se canta ao lado de quem chora...

quarta-feira, 8 de junho de 2016

Risália - Belmiro Braga

Risália
Belmiro Braga

Se ouvires, a sonhar, uns vãos rumores,
Não são as aves festejando o dia:
- São os últimos gritos que te envia
Meu triste coração, morto de amores...

Se sentires uns tépidos olores,
Não penses que é o rosal que te inebria:
- É a minha alma nas ânsias da agonia
Que, só por te beijar, se muda em flores...

Se vires baloiçar as níveas gazas
Do docel de teu leito, não te afoites,
Nem te assustes, querida! São meus zelos

Que vão, de leve, sacudindo as asas,
Carinhosos, beijar, todas as noites,
Teus olhos, tua fronte e teus cabelos...

terça-feira, 7 de junho de 2016

Quarenta Anos - Mário de Andrade

Quarenta Anos
(Mário de Andrade)

A vida é para mim, está se vendo,
Uma felicidade sem repouso;
Eu nem sei mais se gozo, pois que o gozo
Só pode ser medido em se sofrendo.

Bem sei que tudo é engano, mas, sabendo
Disso, persisto em me enganar... Eu ouso
Dizer que a vida foi o bem precioso
Que eu adorei. Foi meu pecado... Horrendo

Seria, agora que a velhice avança,
Que me sinto completo e além da sorte,
Me agarrar a esta vida fementida.

Vou fazer do meu fim minha esperança,
Ó sono, vem!... Que eu quero amar a morte
Com o mesmo engano com que amei a vida.

segunda-feira, 6 de junho de 2016

Artista - Mário de Andrade

Artista
Mário de Andrade

O meu desejo é ser pintor – Leonardo,
Cujo ideal em piedades se acrisola;
Fazendo abrir-se ao mundo a ampla corola
Do sonho ilustre que em meu peito guardo...

Meu anseio é, trazendo ao fundo pardo
Da vida, a cor da veneziana escola,
Dar tons de rosa e de ouro, por esmola,
E quanto houver de penedia ou cardo.

Quando encontrar o manancial das tintas
E os pincéis exaltados com que pintas,
Veronese! teus quadros e teus frisos,

Irei morar onde as Desgraças moram:
E viverei de colorir sorrisos
Nos lábios dos que imprecam ou que choram!

domingo, 5 de junho de 2016

Na minha rua há um menino doente - Mário Quintana

Na minha rua há um menino doente
Mário Quintana

Na minha rua há um menino doente,
Enquanto os outros partem para a escola;
Junto à janela, sonhadoramente,
Ele ouve o sapateiro bater sola.

Ouve, também, o carpinteiro, em frente,
Que uma canção napolitana engrola
E, pouco a pouco, gradativamente,
O sofrimento, que ele tem, se evola.

Mas, nesta rua, há um operário triste:
Não canta nada na manhã sonora
E o menino nem sonha que ele existe...

Ele trabalha silenciosamente...
E está compondo este soneto agora
Para a alma boa do menino doente...

sábado, 4 de junho de 2016

Eu faço versos - Mário Quintana

Eu faço versos
Mário Quintana

Eu faço versos como os saltimbancos
Desconjuntam os ossos doloridos
A entrada é livre para os conhecidos...
Sentai, Amadas, nos primeiros bancos!

Vão começar as convulsões e arrancos
Sobre os velhos tapetes estendidos...
Olhai o coração que, entre gemidos,
Giro na ponta dos meus dedos brancos.

“Meu Deus! Mas tu não mudas o programa!”
- Protesta a clara voz das Bem-Amadas –
“Que tédio!” – o coro dos Amigos clama.

“Mas que vos dar de novo e de imprevisto?”
- Digo... e retorço as pobres mãos cansadas:
“Eu sei chorar... Eu sei sofrer... Só isto!”

sexta-feira, 3 de junho de 2016

Morrer... Dormir... - Francisco Otaviano

Morrer... Dormir...
Francisco Otaviano

Morrer... dormir... não mais! Termina a vida
E com ela terminam nossas dores:
Um punhado de terra, algumas flores,
E às vezes uma lágrima fingida!

Sim! Minha morte não será sentida;
Não deixo amigos, e nem tive amores,
Ou, se os tive, mostraram-se traidores,
Algozes vis de uma alma consumida.

Tudo é pobre no mundo. Que me importa
Que ele amanhã se esbroe e que desabe,
Se a natureza para mim é morta!

É tempo já que o meu exílio acabe...
Vem, pois, ó Morte, ao nada me transporta!
Morrer... dormir... talvez sonhar... quem sabe?

quinta-feira, 2 de junho de 2016

Ingratidão - Raul de Leoni

Ingratidão
Raul de Leoni

Nunca mais me esqueci!... Eu era criança
E, em meu velho quintal, ao sol-nascente
Plantei com minha mão ingênua e mansa,
Uma linda amendoeira adolescente.

Era a mais rútila e íntima esperança...
Cresceu... cresceu... e, aos poucos suavemente,
Pendeu os ramos sobre um muro em frente
E foi frutificar na vizinhança...

Daí por diante, pela vida inteira,
Todas as grandes árvores que em minhas
Terras, num sonho esplêndido semeio,

Como aquela magnífica amendoeira,
Eflorescem nas chácaras vizinhas
E vão dar frutos no pomar alheio...

quarta-feira, 1 de junho de 2016

História Antiga - Raul de Leoni

História Antiga
Raul de Leoni

No meu grande otimismo de inocente
Eu nunca soube por que foi... Um dia,
Ela me olhou indiferentemente;
Perguntei-lhe por que era... Não sabia...

Desde então, transformou-se, de repente,
A nossa intimidade correntia
Em saudações de simples cortesia
E a vida foi andando para a frente...

Nunca mais nos falamos... vai distante...
Mas, quando a vejo, há sempre um vago instante
Em que seu mudo olhar no meu repousa...

E eu sinto, sem no entanto compreendê-la,
Que ela tenta dizer-me qualquer cousa,
Mas que é tarde demais para dizê-la...