domingo, 8 de novembro de 2015

Marche aux Flambeaux – Cruz e Sousa (Parte 3)

II

Filósofos titãs, filósofos insanos
que destes turbilhões, que destes oceanos
de lutas e paixões, de sonho e pensamentos
espalhasteis no mundo aos clamorosos ventos
a Ciência fatal, talvez como um veneno,
que os tempos abalou no caminhar sereno;
filósofos titãs, que os séculos austeros
no flanco da Matéria abris, graves, severos,
sobre o escombro da fé, da crença e da esperança,
da civilização o trilho que hoje alcança
no seu aço viril as regiões supremas,
traçado em novas leis, doutrinas e problemas;
vós que sois no Saber os monges da existência
e só acreditais na força da Ciência,
que da morte sabeis os filtros invisíveis,
narcóticos, sutis, incógnitos, terríveis,
não sabeis, entretanto, apóstolos sombrios,
como à luz da Ciência os homens estão frios,
como tudo ficou num doloroso caos
e os seres que eram bons, rudes, egoístas, maus.
Em vão! em vão! em vão! os vossos largos crânios
lutaram pelo Bem dos Bens contemporâneos!
Tudo está corrompido e até mais imperfeito...
Não há um lírio são a florescer num peito,
de piedade, de amor e de misericórdia...
Se brota uma virtude o ascoso vício morde-a,
envilece, corrompe e abate essa virtude
com o cinismo revel dum epigrama rude...
E até muita alma vil, feroz, patibular,
impunemente sobe ao mais sagrado altar.

Por isso vão passar perante a turbamulta
como abrupta avalanche, enorme catapulta,
numa marche aux flambeaux, os famulentos vícios
que cavaram no globo horrendos precipícios,
os vícios imortais, que infestam tribos, greis,
povos e gerações, seitas, templos e reis
e que são como a lava obscura da cratera
que subterraneamente em tudo se invetera.

Com toda intrepidez hercúlea de acrobata
vou sobre eles soltar, gloriosa, intemerata,
a sátira que tem esporas de galhardo
cavaleiro ideal que joga a lança e o dardo.
Vou com esse altanado e muscular esforço
de quem galga triunfal o soberano dorso,
a crista vigorosa, altiva, sobranceira,
da mais agigantada e vasta cordilheira.

Nenhum comentário:

Postar um comentário