domingo, 15 de novembro de 2015

Vocaboilário - João Rangel Coelho (Parte 1)

VOCABOILÁRIO

João Rangel Coelho

Depois deste lauto almoço,
já na hora do café,
eu, com a mente em alvoroço
e com a alma em marcha-à-ré,

para todos, meio asnático,
- que cada um me perdoe -
vou fazer, como gramático,
a apologia do Boi.

Graças ao Boi, velho otário,
num trabalho filológico,
fiz o meu Vocaboilário,
que é também bestialógico.

Se o Egito o Boi idolatra,
digamos o nosso amém,
que o Boi, ao dar-nos a alcatra,
dá-nos o estrume também.

O Boi, animal sagrado,
com irreverências de crítico,
tem chifres, sem ser casado,
tem rabo, sem ser político.

Numa expressão bem tristonha,
pelo labor se destaca
e, altivo, não se envergonha
de sua mãe, que é uma vaca.

Na charrua, satisfeito,
ou dentro do Matadouro,
merece o nosso respeito,
pois todo Boi é um ex-touro.

Virilidade em descanso,
o Boi, que detesta a rixa,
pode ser um bicho manso:
é bicho, mas não é bicha.

Pelo Boi é que promovem
as moças a robustez...
Toda mulher, quando jovem,
tem seu boi de mês em mês.

Manso, moroso, marcado,
calmo, cordato, cornudo,
se não é civilizado,
também não é boitocudo.

O Boi, paciente criatura,
que triste mugido entoa,
tem nos olhos a doçura
de quem, sofrendo, perdoa.

O Boi também é poeta
e, como bom trovador,
suas mágoas interpreta
em trovas deste teor:

“Até nas vacas se encontra
a diferença da sorte:
umas são vacas de leite,
outras são vacas de corte”.

Muito bem. Se a Academia
de Letras – que anedotário! –
trabalha, dia por dia,
a fazer seu Dicionário,

é justo que nós do time
em torno a esta mesa, agora,
tachando o Boi de sublime,
numa linguagem sonora,

toda em termos bem boilados,
com sabor veterinário,
façamos, avacalhados,
o nosso Vocaboilário.

Se a semântica não mente
e descobre maravilhas,
boi... cotado é tão somente
o gostosão das novilhas.

Nosso alegre calepino
ensina, com fins morais,
que o Boi trouxa, o Boi cretino,
é um boibo e nada mais.

Boifetada ou boifetão
é, será e sempre foi,
segundo a nossa lição,
um bruto coice de Boi.

Boina azul ou encarnada,
com apuro ou sem apuro,
na cabeça colocada,
é chapéu de Boi, no duro.

Boitequim... o boitequim,
onde a gente afoga a mágoa,
é, mais ou menos, assim
como o bar do Boi pau-d’água.

E boilina é o Boi sem linha
que, com as manhas mais velhacas,
sem fazer qualquer vaquinha,
vai se encostando nas vacas.

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