terça-feira, 17 de novembro de 2015

Uma Modesta Proposta – Jonathan Swift

         A sátira “Uma Modesta Proposta”, de Jonathan Swift, 1667-1745, escritor irlandês, autor de “Viagens de Gulliver”, encontra-se na obra “Os 100 Melhores Contos de Humor da Literatura Universal”, organização de Flávio Moreira da Costa, Ediouro, Rio de Janeiro, 2001, 3ª edição, páginas 101 a 108, tradução de Leonardo Fróes. Traz um subtítulo: “Para Impedir que os Filhos de Gente Pobre da Irlanda sejam um Peso para os seus Pais ou o País; e para torná-los úteis ao Povo”.
         Swift fala, no início, do melancólico espetáculo de crianças miseráveis, famintas e esfarrapadas, a importunar os cidadãos pedindo esmolas, acompanhadas de suas mães, a implorar pelo sustento de seus filhos. Diz que aquele que encontrasse um sistema “simples, barato e lícito” para tornar tais crianças elementos aproveitáveis para a sociedade, receberia a gratidão do povo. Até um ano de idade os bebês podem ser amamentados pelas mães, sem nenhuma despesa. O plano de Swift prevê cuidar dos infantes após os primeiros doze meses de vida, de tal maneira que, ao invés de se constituírem num peso para a coletividade, possam, ao contrário, ajudar a alimentar muita gente. A proposta evitaria também os abortos voluntários e a morte de filhos bastardos.
         De um total de um milhão e meio de habitantes, na Irlanda nascia aproximadamente cento e vinte mil crianças por ano, naquela época, de pais miseráveis. Como sustentá-los? Eis uma questão dificílima! Só poderiam se dedicar ao roubo após os seis anos de idade. E meninos e meninas com menos de doze anos não eram comercialmente vendáveis. Desta forma, Swift propôs o seguinte, esperando não encontrar nenhuma objeção:
         “UM Americano muito sabido, do meu Conhecimento em Londres, assegurou-me que uma Criancinha sadia e bem criada é, com um Ano de idade, o Alimento mais delicioso, nutritivo e benéfico que existe, seja Cozida, Grelhada, Assada ou Ferventada; e não duvido de que sirva igualmente para um Fricassê ou um Ragu.”
         Fricassê é um guisado de carne partida em pequenos pedaços, com gemas de ovos e variados temperos. Ragu é carne ensopada ou guisada com legumes e molhos.
         Daquelas cento e vinte mil crianças, um sexto seria reservado para a procriação, ou seja, vinte mil. Destas vinte mil, a quarta parte seria de machos. Assim, com doze meses de existência, cem mil bebês estariam à venda para a classe alta, em todo o Reino. E se aconselharia às mães deixar os seus filhos mamar à vontade no último mês, ficando desta forma gordinhos e rechonchudos, o ideal para uma mesa farta.
         “Uma Criança dará dois Pratos numa Recepção para Amigos; e, quando a Família jantar sozinha, um dos Quartos, traseiro ou dianteiro, será um Prato razoável que, temperado com um pouco de Pimenta e Sal, dará um ótimo Ensopado no quarto Dia, especialmente no Inverno.”
         Um recém-nascido pesaria algo em torno de doze libras. Com um ano poderia chegar a vinte e oito.
         “RECONHEÇO que essa Comida será um pouco cara e, portanto, mais adequada para Proprietários de Terras; que, já tendo devorado a maioria dos Pais, parecem plenamente fazer Jus aos Filhos.”
         A carne de criança estaria disponível o ano inteiro. O custo da criação de bebês de mendigos, trabalhadores manuais e camponeses, incluindo suas vestes, seria de dois xelins por ano; e nenhum cavalheiro abastado se recusaria a pagar dez xelins pela carcaça de um infante bem nutrido. A mãe teria oito xelins de lucro.
         “OS que aproveitam tudo (como devo reconhecer que os Tempos exigem) podem esfolar a Carcaça, cuja Pele, artificialmente tratada, dará admiráveis Luvas para Senhoras e Botas de Verão para Cavalheiros finos.”
         Em Dublin, poderiam se construir matadouros para esta finalidade, não faltando açougueiros. Se bem que o autor da proposta recomende a compra das crianças ainda vivas, matando-as em casa mesmo, a facadas, como se faz com os leitões, preparando a carne ainda quente.
         A seguir, Swift discorre sobre a inconveniência do consumo de carne de rapazinhos e mocinhas de doze a quatorze anos, referindo-se aos famintos, carentes de meios de sobrevivência. Os machos teriam a carne dura e magra, não valendo a pena engordá-los. As fêmeas tornar-se-iam em breve reprodutoras.
         Passa o autor a enumerar algumas vantagens de sua proposta. Os camponeses, arruinados pelos donos das terras, teriam nos filhos uma renda assegurada contra a miséria total. Com o negócio em larga escala, as reservas da Irlanda aumentariam em milhares de libras. Os reprodutores permanentes, além de auferirem um lucro de oito xelins por ano com a venda dos filhos, ficariam livres da obrigação de sustentá-los após os doze meses de idade. Os donos de tabernas se esmerariam em oferecer aos distintos fregueses os melhores pratos, com as receitas mais sofisticadas e caras. Aumentaria o carinho das mães para com os filhos, posto que estes dariam lucros e não despesas à sociedade; elas se rivalizariam, na disputa por levar ao mercado a criança mais gordinha. Os homens amariam muito mais as esposas grávidas, não mais as espancando, tratando-as com o mesmo cuidado que dispensam às suas éguas e porcas prenhes. A carne dos leitões não pode se comparar à de um bebê de um ano, bem criado e gorducho, quer em sabor ou pompa. Assada inteira, uma criança faria grande sucesso nos banquetes oficiais.
         “SUPONDO-SE que Mil Famílias desta Cidade fossem Fregueses constantes de Carne de Criança, além de outras que a tivessem em Reuniões festivas, particularmente Casamentos e Batizados, calculo eu que Dublin consumiria por Ano cerca de Vinte Mil Carcaças, e o resto do Reino (onde provavelmente elas custariam um pouco mais barato), as demais Oitenta Mil.”
         Diz Swift não lhe ocorrer objeção alguma contra a sua proposição, a não ser a de reduzir a população do Reino, o que não o desagradaria. Ressalta que esta ideia se limita somente ao território da Irlanda. Afirma que ela não implica em gastos, nem seria contrária aos interesses da Inglaterra.
         Termina ele com estas palavras:
         “DECLARO, com toda a Sinceridade do meu Coração, não ter o menor Interesse pessoal ao me empenhar em  promover essa Obra tão necessária; um só Motivo me impele, e é o Bem-estar de todo o nosso País, desenvolvendo para tanto o Comércio, cuidando das crianças, socorrendo os Pobres e dando um pouco de Prazer aos Ricos. Não tenho Filhos pelos quais eu me possa habilitar a ganhar sequer um Vintém; o mais novo já está com nove Anos e a minha Esposa passou da idade de ser Mãe.”

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