terça-feira, 18 de agosto de 2015

As Litanias de Satã - Charles Baudelaire

AS  LITANIAS  DE  SATà

Charles Baudelaire


Ó Tu, o mais sábio dos Anjos e o mais belo!
Ó Deus traído pela Sorte, não abandones Teu anelo!
         Satã, apieda-te de minha grande miséria!
Príncipe do Desterro, com quem o Senhor foi injusto,
         altivo sempre venceste, ergue-Te mais robusto,
         Satã, apieda-te de minha grande miséria!
Tu, oculto sabedor e rei das coisas subterrâneas,
         familiar curador das angústias momentâneas;
         Satã, apieda-te de minha grande miséria!
Tu que até aos leprosos e aos malditos párias,
         dás do Paraíso nostalgias solitárias:
         Satã, apieda-te de minha grande miséria!
Tu que da Morte, a Tua velha e parca amante,
         suscitas a Esperança, essa tão louca bacante!
         Satã, apieda-te de minha grande miséria!
Tu que dás aos réus esse olhar sereno e abres a cena
         em volta do cadafalso que o povo condena;
         Satã, apieda-te de minha grande miséria!
Tu que conheces as terras em cujas fendas sinuosas
         o Deus zeloso oculta as pedras preciosas;
         Satã, apieda-te de minha grande miséria!
Tu cujo olhar penetra nos profundos arsenais
         onde dorme o suntuoso povo dos metais;
         Satã, apieda-te da minha grande miséria!
Tu cuja larga mão esconde terríveis precipícios,
         ao sonâmbulo errante, ao longo dos edifícios;
         Satã, apieda-te da minha grande miséria!
Tu que magicamente aligeiras os ébrios charlatães,
         míseros entes a quem, de noite, latem os cães;
         Satã, apieda-te da minha grande miséria!
Tu que consolas o fraco quando, de chofre,
         nos ensina a misturar salitre com enxofre;
         Satã, apieda-te da minha grande miséria!
Tu que pões tua marca, ó cúmplice sutil!
         sobre a dura fronte de Crésus torpe e vil!
         Satã, apieda-te da minha grande miséria!
Tu que dás às criaturas de vagas fantasias,
         o culto aos farrapos e o amor às agonias;
         Satã, apieda-te da minha grande miséria!
Bastão dos exilados, lâmpada dos inventores,
         confessor dos réus e dos conspiradores,
         Satã, apieda-te da minha grande miséria!
Pai adotivo dos filhos que a cólera de Adonai
         do Paraíso terrestre os arrojou Deus Pai:
         Satã, apieda-te da minha grande miséria!

                                PRECE

Glória e louvor a Ti Satã, nas alturas
         do céu, onde reinas, e, nas negruras
         do Inferno, onde vencido espalhas clemência!
Faze que minha alma um dia, sob a Árvore da Ciência,
         ao Teu lado repouse sobre tua plácida fronte,
         como num templo novo resplandeces, ó Demofoonte!

(Série "Diabolu In Versus".)


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