quarta-feira, 19 de agosto de 2015

Hino a Satã - Josué Carducci

HINO  A  SATÃ

Josué Carducci


A Ti, imenso princípio do Ser, Matéria e

         Espírito, Razão e Sentimento.

Quando cintila o vinho no copo como a
         Alma brilha no fundo da pupila,
Quando correm a Terra e o Sol e trocam
         palavras de Amor,
E corre o espasmo de um himeneu invisível
         que chega aos Montes e fecunda a planície,
A Ti chegam meus cantos atrevidos.
Eu Te invoco, ó Satã! rei do festim.
Volta com teu hissopo, vil Sacerdote!
Volta com teus salmos! Satã retrocede.
Olha como a ferrugem rói a mística
         espada de Miguel,
E o arcanjo, já sem penas, se despenca
         no vazio!
O raio gelou-se na mão do orgulhoso Jeová,
Como uma chuva de pálidos mistérios de
         planetas apagados!
Os arcanjos vão caindo do alto do firmamento.
Na matéria que nunca pára, rei do
Fenômeno, rei da Forma, vive unicamente Satã.
No relampejar trêmulo de seu negro olhar está
         seu império que aos que desviam atrai.
É ele que brilha com o sangue alegre dos
         enforcados para que a breve alegria não esmoreça.
É ele quem restaura a vida breve, que
         prorroga a Dor e o Amor reanima.
Tu inspiras, ó Satã! o meu verso desafiando,
         Deus dos pontífices cruéis e reis homicidas.
Por Ti vivem Agramancio, Adonis e Astartéa,
         que animam os mármores dos escultores,
         as telas dos pintores, a lira dos poetas.
E o canto das serenas brisas de Jonia deu
         a Vênus Andrômeda.
Por Ti estremecem-se as palmeiras do Líbano
         ao ressuscitar o amante da doce Chypre.
Por Ti agitam-se as danças e as cores.
Por Ti as virgens desfalecem de amor ante
         as odoríferas palmeiras da Iduméa, onde
         branqueiam as espumas chyprianas.
Que importa que o bárbaro furor dos
         orgiáticos ágapes do ato obsceno tenha
         incendiado teus templos com a sagrada
         luz e demolido as estátuas de Argus?
A plebe vem a Ti, agradecida, entre suas
         divindades e, vencida de amor, a pálida
         bruxa com eterna angústia vem remediar
         a natureza enferma.
Foste Tu que do olhar penetrante do
         Alquimista e às pupilas do Mago indomável
         revelaste mais para além do sonolento
         claustro os resplendores de novos céus.
Esquivando-Te até nos compromissos, o triste monge
         ocultou-se no fundo da Tebaida.
Ó alma extraviada de teu caminho,
         Satã é bom e não Te abandona!
Por isso, quando passas, ele Te bendiz. Eis aqui
         a Eloísa.
Em vão te atormentas sob o áspero
         burel, mísero monge.
Os versos de Horácio e de Virgílio soaram
         em teus ouvidos misturados às queixas
         dos salmos de Davi.
E as formas délficas surgiram voluptuosas
         a teu lado, tingindo de rosa a horrenda
         companhia das dobadeiras Lycoria e Glyceria.
De outras visões de um tempo mais belo
         povoam-se as celas insones.
Por Ti as páginas vivas de Tito Livio
         despertam fogosos tribunos, cônsules e
         ardente multidão.
E, repleto de itálico orgulho, dirige-Te,
         ó monge! ao Capitólio.
As poderosas fogueiras não podem destruir
         as fatídicas vozes de Wicleff e João Huss.
No espaço ressoa o grito de alerta e o
         século se renova. O prazo extinguiu-se.
Tremem os símbolos poderosos; caem as
         mitras e as coroas; do claustro mesmo,
         surge ameaçadora a rebelião, debaixo dos
         hábitos de frei Jeronimo Savonarola.
Joga o escapulário Martim Luthero e rompe
         as cadeias do pensamento humano.
E, esplêndida, fulgurante, sobre as chamas
         ergue-se a Matéria. Satã venceu!
Um monstro belo e terrível desencadeia-se,
         percorre o Oceano, percorre a Terra,
         vomitando chamas e, fumegante como
         um vulcão, cai sobre os montes.
Devora planícies, está sobre os abismos,
         oculta-se nos antros profundos e
         surge novamente.
E eis que passa triunfante, ó povo!
         Satã, o Grande.
Passa semeando o Bem por toda parte,
         montado sobre seu carro de fogo, que
         nenhum obstáculo detém.
Louvor a Ti, ó Satã! Ó Rebelião!
Ó Força vingadora da Razão humana!
Que subam a Ti, consagrados, nosso
         incenso e nossos votos!
Venceste ao Jeová dos Sacerdotes!
Glória a Satã!

(Série "Diabolu In Versus".)


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