Tabacaria
Fernando
Pessoa
Não
sou nada.
Nunca
serei nada.
Não
posso querer ser nada
À
parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo.
…
Estou
hoje vencido, como se soubesse a verdade.
Estou
hoje lúcido, como se estivesse para morrer,
…
Falhei
em tudo.
Como
não fiz propósito nenhum, talvez tudo fosse nada.
…
Que
sei eu do que serei, eu que não sei o que sou?
Ser
o que penso? Mas penso tanta coisa!
E
há tantos que pensam ser a mesma coisa que não pode haver tantos!
Génio?
Neste momento
Cem
mil cérebros se concebem em sonho génios como eu,
E
a história não marcará, quem sabe?, nem um,
…
O
mundo é para quem nasce para o conquistar
E
não para quem sonha que pode conquistá-lo, ainda que tenha razão.
Tenho
sonhado mais que o que Napoleão fez.
Tenho
apertado ao peito hipotético mais humanidades do que Cristo,
Tenho
feito filosofias em segredo que nenhum Kant escreveu.
Mas
sou, e talvez serei sempre, o da mansarda,
Ainda
que não more nela;
Serei
sempre o que não nasceu para isso;
Serei
sempre só o que tinha qualidades;
Serei
sempre o que esperou que lhe abrissem a porta ao pé de uma parede sem porta,
E
cantou a cantiga do Infinito numa capoeira,
E
ouviu a voz de Deus num poço tapado.
Crer
em mim? Não, nem em nada.
…
Vivi,
estudei, amei e até cri,
E
hoje não há mendigo que eu não inveje só por não ser eu.
…
Fiz
de mim o que não soube
E
o que podia fazer de mim não o fiz.
O
dominó que vesti era errado.
Conheceram-me
logo por quem não era e não desmenti, e perdi-me.
Quando
quis tirar a máscara,
Estava
pegada à cara.
…
(Se
eu casasse com a filha da minha lavadeira
Talvez
fosse feliz.)
Visto
isto, levanto-me da cadeira. Vou à janela.
O
homem saiu da Tabacaria (metendo troco na algibeira das calças?).
Ah,
conheço-o; é o Esteves sem metafísica.
(O
Dono da Tabacaria chegou à porta.)
Como
por um instinto divino o Esteves voltou-se e viu-me.
Acenou-me
adeus, gritei-lhe Adeus ó Esteves!, e o universo
Reconstruiu-se-me
sem ideal nem esperança, e o Dono da Tabacaria sorriu.
Álvaro
de Campos, 15-1-1928
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