“Zéfinêta (nota minha: uma lagartixa)
pensou como poderia traduzir a história que Ab lhe contara, reduzindo-a à
expressão mais simples, àquelas inteligências pequenininhas. Fez pose de grande
contadora e começou:
- Foi assim. Deus, o Grande Camaleão que
fez o mundo, estava muito triste. Triste porque havia uma briga danada nos
seres que habitavam os grandes rios. Por causa da pesca e das águas, os
crocodilos brigavam com os jacarés. Estes com os caimãs e os caimãs com os
gaviais; era uma briga tão grande que o rio ficou vermelho de sangue, em vez
das águas serem claras...
Olhou em volta e viu o interesse dos
ouvintes. Então dava para continuar.
- Aí o Grande Camaleão não gostou disso.
‘Afinal não fiz o mundo para que ele se destruísse sozinho’. Pensou que pensou
e resolveu dar uma chance ao mundo mandando um filho santo e crocodilo para
salvar a humanidade. E assim fez: pegou uma iguana muito linda, muito verde, de
olhos redondos que se chamava Maria e era casada com um velho jacaré chamado
José e disse: ‘você vai ser a mãe do meu filho’.
Ouviu-se uma vozinha meio de longe.
- Não foi nada disso que ele contou.
Zéfinêta ficou fula de raiva. Ranglabiana
admoestou.
- Cale a boca, Xittitinha. Não se meta em
conversas de mais velhos. Vamos, menina, que a história está muito linda e
prosaica.
- Aí foi aquela coisa. Maria ficou
esperando uma ninhada, mas que só valia um ovo mesmo, do qual nasceria o filho
do Grande Camaleão. Foi procurar um hotel, porque já estava pesada, mas todos
os grandes montes de areia do rio estavam ocupados. Depois eles não podiam
pagar, porque José era muito velho para caçar e não tinha peixe morto para
pagar o aluguel. Eles foram andando e foram andando até que chegaram em Belém.
Undrubligu ficou intrigado.
- Que Belém, Belém do Pará?
- Acho que foi.
- Não sei, eu tenho um primo que veio de
lá, pegando carona num motor, que conhece toda a história de Belém, e nunca
falou disso.
- Pois se o homem disse que foi Belém, é
porque foi. Ele não mente. Mas vou continuar ou não vou?
Chegaram a um acordo e se calaram.
- Só numa gruta onde moravam dois
calangões é que acharam um lugar. Aí nasceu o filho que vinha chamar os homens
na cabeça. Foi uma festa. Pegaram um grande jacaré, colaram ele de pirilampos e
penduraram no céu como uma grande lanterna para anunciar o nascimento do filho
divino do Grande Camaleão. Vieram três grandes reis crocodilos de três cores: um
amarelo, um verde e um marrom. Trouxeram presentes caros: pedaços de pirarucu,
peixe-elétrico, óleo de boto. Foi uma festa. Eles vieram de muito longe e eram
grandes reis.
- Se vieram de longe, só podem ter vindo
de Manaus, descendo o Amazonas.
Zéfinêta não sabia explicar aquele detalhe.
-Acho que foi.
- E daí?
- Daí, o filho de Maria cresceu e se
transformou no mais lindo crocodilo do mundo. Tinha uns olhos verdes
lindíssimos e pestanas douradas. Foi falando, dizendo coisas bonitas e
belíssimos ensinamentos para a humanidade. Quem aproveitou, aproveitou. Ficou
sendo melhor. Mas quem não gostou mesmo foram os ladrões, os safados, os
desonestos. E como estes estavam com a maioria, combinaram matar o filho de
Maria. Armaram uma emboscada e zuquet:
arpoaram ele. Como seu coro era muito lindo fizeram dele milhares de bolsas de
crocodilos, cintos e carteiras. Eis porque no Natal todo mundo dá presente e
bebe muito. Até hoje ainda dão presente de bolsas de crocodilo, lembrando o que
viera para salvar a humanidade. Foi só.
Ranglabiana comentou:
- O final está meio descosido, mas é de
se louvar a grande memória que tem essa menina e o jeito de contar as coisas.”
(“As Confissões de Frei Abóbora”, José
Mauro de Vasconcelos, Edições Melhoramentos, São Paulo, 3ª Edição, 1969, Página
82-83.)
Nenhum comentário:
Postar um comentário