domingo, 2 de agosto de 2015

Um sermão inusitado em "Moby Dick", de H. Melville

      “ – Cozinheiro – disse Stubb, levando à boca um pedacinho bem avermelhado –, não acha que este bife passou do ponto? Você bateu muito este bife, cozinheiro; está mole demais. Não digo sempre que um bom bife de baleia deve ser consistente? Aí estão os tubarões junto ao costado: não vê que preferem a carne elástica e crua? Que barulho estão fazendo! Cozinheiro, vá dizer-lhes que são bem-vindos se se servirem com polidez, e moderação, mas devem conservar-se quietos. Raios me partam se eu consigo ouvir minha própria voz. Vá, cozinheiro, e dê o meu recado. Olhe, pegue esta lanterna – e entregou-lhe uma do aparador; – agora vá pregar-lhes.
      Pegando sorumbático a lanterna, o velho Fleece dirigiu-se para a amurada, a coxear pelo convés; e então, abaixando com uma das mãos a lanterna para o mar, como que para ver melhor os seus fiéis, com a outra mão brandiu solenemente as tenazes, e, inclinando-se por sobre o costado, com voz rezinguenta começou a prédica aos tubarões, enquanto Stubb, chegando-se de mansinho por detrás, ouvia impressentido tudo o que o velho estava a dizer.
     - Irmãos: mandaro eu dizê que oceis têm de pará co’ esse mardito baruio aí. Tão escutano? Pare’ co’ esse mardito estalo dos beiço! Siô Stubb diz que oceis pode enchê as mardita barriga quanto quisé, mais por Deus! oceis tem de pará co’ essa ‘mardiçoada algazarra!
      - Cozinheiro – interferiu Stubb, acompanhando a palavra com um repentino tapinha nos ombros –, cozinheiro, diabos o levem! você não deve praguejar assim quando está pregando. Isso não é jeito de converter pecadores, cozinheiro!
      - Quem praguejô? Então pregue o sinhô memo. – E virou-se macambúzio, para ir embora.
      - Não, cozinheiro; continue, continue.
      - Pois então, bem-amados irmão...
      - Isso! – esclamou Stubb, aprovando – tente convencê-los com palavras amáveis; experimente isso. – E Fleece continuou:
      - Oceis são tudo tubarão e de natureza munto esganada, mais eu digo a oceis, meus irmão, que essa esganação... pare’ co’ essa mardita batida de rabo! Cumo é que podem ouvi, se continuare’ co’ essas mardita batida e mordida aí?
      - Cozinheiro – exclamou Stubb, pegando-o pelo colarinho –, não quero essas pragas. Fale-lhes com educação.
      Uma vez mais o sermão continuou:
      - A esganação de oceis, meus irmão, num censuro munto oceis por causa dela; é da natureza, e num pode ser evitada: mais guverná essa natureza marvada, aí é que tá. Oceis são tubarão, tá certo; mais se oceis guverná o tubarão dentro de oceis, então oceis vira anjo, porque o anjo num passa de um tubarão bem guvernado. Ora, óiem aqui, irmãos, experimente’ sê inducado uma veis, ao se servi dessa baleia. Num ranquem a gordura da bôca do próximo, tô dizeno. Num tem um tubarão o memo direito que otro a essa baleia? E, pelo Sinhô, nenhum d’oceis tem direito a essa baleia, que pertence a arguém. Sei que argum d’oceis tem bôca munto grande, maió que a dos otro; mais às veis as bôca grande tem bucho pequeno, assim a grandeza da bôca num é pra enguli demais, mais pra ‘rancá gordura pros fiote dos tubarão, que num pode’ intrá na briga pra se servi.
      - Muito bem, velho Fleece! – exclamou Stubb. – Isso é cristianismo. Prossiga.
      - Num ‘dianta continuá; os mardito salafrário vão continuá brigano e bateno uns nos otro. Siô Stubb: num tão ouvino nada; num dianta pregá pra esses mardito grutão, como o sinhô chama eles, enquanto num tivere’ de bucho cheio, e o bucho deles num tem fundo; e quano enchere’ ele, num vão ovi otra veis, porque vão merguiá nas água, vão ligero dormi no corar, e num vão podê ovi’ mais nada, mais nada, nunca que vão ovi’.
      - Por minha alma, sou mais ou menos da mesma opinião; assim, dê a bênção, Fleece, que vou voltar à minha ceia. A isso, Fleece, erguendo as duas mãos sobre a multidão de peixes, gritou com sua voz aguda:
      - Mardiçoados irmão! Façam o maió baruio que pudere’; encham os mardito bucho até rebentá – e morra tudo depois.”

      (“Moby Dick”, Herman Melville, Abril Cultural, São Paulo, 1972, 1ª Edição, Páginas 358 a 360.)

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