A
CIRCUNFERÊNCIA PERFEITA
“Naquela manhã, o Professor Herman
Butner, de pé, solene, as mãos na cintura, correu, ameaçador, o olhar pela
sala. Quarenta e dois meninos, em silêncio, aguardavam a tarefa que seria
imposta pelo respeitável mestre.
- Tomem as lousas – ordenou o professor com a habitual rispidez – e
façam o seguinte... e façam...
Hesitou um instante.
Qual seria o exercício de classe, com
que ele, o temido e enérgico ‘herr professor’, iria dar início aos trabalhos da
turma? Na sua opinião, o melhor sistema de educar a mocidade era pelo terror, e
o único meio de se obter a disciplina devia inspirar-se na violência e no
castigo. Todo ideal do educador devia resumir-se na consecução de uma
disciplina cega e ilimitada. Só um povo rijamente disciplinado faria da
Alemanha uma potência invencível capaz de escravizar o mundo sob o guante de
sua autoridade.
Decorrido rápido instante, o
professor, depois de acariciar lentamente, com a mão direita, a barba ruiva e
opulenta que lhe adornava o rosto pálido, retomou severo:
- ... e façam o seguinte: Escrevam
todos os números inteiros de 1 até 60 e calculem, sem errar, a soma de todos
esses números, isto é, desde 1 até 60.
E repetiu:
- Prestem bem atenção. Quero a soma de
todos os números (1, 2, 3, 4, 5, et
cetera) até 60! Ouviram? Vamos. Comecem.
Toda a classe pôs-se a trabalhar. Eram
meninos do curso primário da Escola Santa Catarina, em Brunswick. O mais
velho pouco excedia dos doze anos e o mais moço não completaria ainda dez.
O Professor Butner, com olhar
repreensivo, observava a turma. Sentia intensa alegria ao atentar na
passividade com que os pequeninos o obedeciam. Notou que a classe trabalhava
com afinco; surpreendeu-se, porém, ao reparar que um dos alunos, garoto de dez
anos, no mínimo, pousara a lousa sobre a carteira e olhava distraído para os
mapas da Prússia que forravam a parede.
- O senhor aí! – gritou Butner
enfurecido, apontando para o menino. – O senhor aí! Por que não trabalha?
Vamos. Faça a soma que mandei.
E varou-o com os olhos que fuzilavam.
Respondeu o menino, muito humilde, com
um fio de voz:
- Já calculei, senhor professor!
- Como assim! – berrou o mestraço, com
uma agitação imprevista e colérica. – Já calculou a soma de todos os números de
1 até 60? Traga aqui o resultado. Quero ver!
- Aqui está! – disse.
Butner olhou para a lousa. Nela não
havia cálculos, nem contas. Apenas um número que devia exprimir o resultado:
1830!
Era lá possível que um menino de dez
anos, em poucos minutos, calculasse uma soma de sessenta parcelas! O total
indicado não passava, certamente, de um número qualquer indicado, ao acaso,
pela preguiça de um displicente.
A atitude daquele menino assumia, aos
olhos do exaltado professor, as proporções de um verdadeiro insulto. Com um
safanão violento segurou o estudantezinho por um braço, empurrou-o para junto
da mesa, e gritou-lhe com indizível rancor:
- Fique aí, de pé! Já!
E tomando do pesado e temível chicote,
que pendia de um prego junto à porta, acrescentou com decisão de rancor:
- Com este azorrague vou curar essa
‘maniazinha’ de querer pilheriar com coisas sérias. Está ouvindo? Se este
resultado que leio aqui – mil oitocentos e trinta – dado por palpite, estiver
errado, o senhor será castigado sem
piedade!
O tratamento de ‘senhor’, dado a uma
criança sob a ameaça do açoite, já era uma afronta. E o mestraço tinha tremores
na voz.
O menino, muito pálido, com os braços
caídos ao longo do corpo, ficou de pé com a cabeça inclinada sobre o peito,
aguardando o prometido castigo.
A classe, já habituada àqueles atos de
selvageria, continuou a trabalhar.
Decorridos mais alguns minutos, a soma
proposta fora calculada por vários alunos. Veio o primeiro e exibiu o resultado
ao mestre. Lá estava, em algarismos bem claros, o resultado:
- 1830.
Logo, a seguir, apresentou outro a
conta acabada:
- 1830.
E, na lousa de um terceiro,
reconhecido como hábil no cálculo, surgia também, gritante, o mesmo número:
- 1830!
Ao ver a concordância daqueles
resultados, o Professor Butner ficou um instante aturdido; voltou-se, afinal,
para o pequenino calculista, que aguardava as aviltantes chibatadas, e
interpelou-o muito sério:
- É espantoso! O seu resultado está
certo! Sim... não há dúvida. É isso mesmo... Está certo! Como obteve, tão
depressa, a soma de todos os números de 1 até 60?
- Eu não somei, professor!
- Como assim! Então o ‘senhor’
calculou um total sem somar, sem juntar as parcelas? Que fez, então?
O menino, com voz tão mansa que
parecia um murmúrio, explicou:
- Vou contar como fiz. Imaginei os
números, desde 1 até 60, escritos em duas linhas. A primeira linha de 1 até 30, a segunda de 60 até 31:
1, 2,
3, 4, 5, ...... 30
60, 59,
58, 57, 56, ...... 31
61,
61, 61, 61,
61, ...... 61
- Eram, portanto, 30 parcelas iguais a
61. Logo, o resultado total seria obtido (pensei) multiplicando-se 61 por 30.
Fiz, então, o seguinte: multipliquei 61 por 3, obtive 183, e, a seguir,
acrescentei um zero. O resultado não poderia ser outro: 1830! Foi por isso que
eu fiz o cálculo depressa!
Ao ouvir aquela explicação tão simples
e tão clara, o Professor Butner compreendeu que tinha diante de si, naquele
pequeno de dez anos, um verdadeiro gênio da Matemática, e sentiu pesar-lhe
sobre a consciência o crime hediondo que havia praticado, humilhando-o injusta
e brutalmente, e diante dos colegas.
Entregou ao menino o pesado rebenque
que até então mantivera na mão, sentou-se na primeira carteira e ordenou-lhe com
voz trágica:
- Bata com este chicote em mim! Bata
em seu professor! Vamos! Bata! Já disse! É para que seu professor aprenda, de
hoje em diante, a respeitar os alunos!
Com o látego nas mãos o jovem, como
que estonteado, parecia hesitar. Virava e revirava o aviltante instrumento
entre os dedos. A classe toda, tomada de assombro, aguardava o desfecho daquele
caso surpreendente. Teria o menino a temeridade de bater no professor? Seria
capaz de vergastar a venerável figura do mestre?
Decorridos alguns instantes, o menino
devolveu o chicote ao Professor Butner e declarou, penalizado:
- Não posso, senhor professor! Não
posso!
- Como assim? – acudiu o professor,
erguendo-se impetuoso. – Não pode bater em seu professor?
- Não... – balbuciou o garoto, com o
olhar suplicante. – Não é isso! Digo que não posso fazer, torcendo este
chicote, uma circunferência tão perfeita como o senhor!
O pequenino geômetra preocupava-se com
a beleza e a perfeição das formas; esquecia castigos, humilhações e ameaças.
Alma generosa e simples, até naquele momento encontrava motivo para exaltar a
figura incomparável do mestre. Jamais pensara em zurzir o chicote contra quem
quer que fosse.
Butner, arrebatado, tomou o menino
pela mão e levou-o, no mesmo instante, ao gabinete do diretor.
Ao vê-lo aparecer trazendo o
estudante, o velho diretor abriu num riso o largo rosto emoldurado de fartas
suíças:
- Que é isso, senhor professor? Que
falta cometeu esse menino? Por que o traz, assim, e já tão cedo, à minha
presença?
- Meu bom diretor – retorquiu o
Professor Butner, emocionado. – Há um engano de vossa parte. Nesse momento não
é o professor que traz o aluno ao diretor; mas sim o aluno é quem traz o professor
à presença do diretor.
E depois de relatar, com todas as
minúcias, tudo que ocorrera pouco antes na classe, concluiu:
- Esse menino trouxe-me à vossa
presença, Sr. Diretor, para comunicar-vos que ele nada mais tem a aprender comigo.
Eu, sim, é que muita coisa terei que aprender com ele.
- E como se chama esse menino?
Acudiu logo Butner, muito sério:
- Atentai, diretor, no nome desse
menino. Dentro de alguns anos esse nome será motivo de verdadeiro orgulho para
o mundo: Karl Frederick Gauss!”
(“Antologia da Matemática”, Malba
Tahan, Edição Saraiva, São Paulo, 1967, 3ª edição, 2º Volume, páginas 185 a 189.)
Gauss nasceu em 1777 e faleceu em
1855.
Em Numerologia, este processo é
conhecido como “Valor Secreto” de um dado número. A fórmula para se achar o
“Valor Secreto” de qualquer número é esta:
N
X N + 1
2
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