MARIA
TÊTÊ
Patativa
do Assaré
(A
história da mulher que tinha muita sorte na vida.)
Dotô,
meu sinhô dotô,
Eu
nunca gostei de inredo
Mas
vou lhe dizê quem sou
Mesmo
sem pedi segredo.
Sou
um cabôco sem sorte,
Naci
nas terra do Norte
E
se de lá vim me imbora
E
tô no Sú do país,
É
somente pruque fiz
Um
casamento caipora.
Nunca
quis questão nem briga
Nem
com quem já me ofendeu
Não
sei pruque Deus castiga
Um
home bom como eu
Que
não maltrata ninguém.
Pro
sinhô conhecê bem,
Meu
nome é Jorge Sutinga,
Sou
honesto e sou honrado
E
nunca fui viciado,
Não
fumo, nem bebo pinga.
Promode
vivê tranquilo
Não
gosto de censurá,
Só
acredito naquilo
Que
vejo a prova legá
E
é por isto que eu tou certo
Que
o mundo é cheio de isperto
Iganando
a boa fé;
O
dotô vai já sabê
Quem
foi Maria Têtê
A
minha ingrata muié.
Têtê
era uma morena
Destas
que sabe laçá
Que
infeitiça e que invenena
Logo
do premêro oiá:
Lôco
por ela eu vivia
E
ela tombém me queria
Nós
dois tava apaxonado
Com
o mesmo pensamento
Até
que veio o momento
Do
casamento azalado.
Casei
com munto prazê,
Pois
com certeza lhe digo,
Nunca
Maria Têtê
Se
aborrecia comigo.
Além
de sê munto bela,
Minha
vontade era a dela,
Sua
vontade era minha.
A
nossa vida eu cumparo
Duas
conta do rosaro
Correndo
na mesma linha.
No
meu vivê de marido,
Fiz
inveja a munta gente,
De
Tetê sempre querido,
Mas
como sou decendente
De
famia de agregado,
Com
dois ano de casado
Por
capricho do destino,
Ao
lado da minha prenda
Eu
fui morá na fazenda
Do
coroné Virgulino.
A
fazenda era um colosso
De
terra, miunça e gado
E
o coroné, belo moço
Lôro,
dos óio azulado.
Recebeu
nóis satisfeito,
Com
tenção e com respeito,
Com
delicada manêra,
Com
inducação e brio,
Como
quem recebe um fio
Qui
vem das terra istrangêra.
E
me dixe: seu Sutinga,
Pode
morá sossegado,
Tem
baxio e tem catinga
Pro
sinhô botá roçado.
Mode
o sinhô trabaiá,
Toda
vez que precisá,
Posso
lhe arrumá dinhêro
E
in suas arrumação,
Se
achando com precisão,
Pode
matá um carnêro.
Com
o que ele dixe a mim,
Eu
falei para a Têtê:
Patrão
delicado assim,
É
custoso a gente vê,
Com
esta grande franqueza
Já
quage tenho a certeza
De
nóis miorá depois,
Este
é patrão de verdade;
Repare
a felicidade
Correndo
atrás de nós dois.
As
promessa que ele fez
Correto
desempenhava,
E
com seis ou sete mês
Que
nóis na fazenda tava,
Quando
foi um certo dia
No
caminho que descia
Pra
cacimba de bebê,
Têtê
achou um tesôro,
Era
um rico cordão de ôro,
Valia
a pena se vê.
Eu
lhe dixe com razão:
-
Grande preço a jóia tem,
Acho
bom guardá o cordão
Que
o dono a percura vem.
Mas
Têtê me arrespondeu:
-
Esta jóia arguém perdeu,
Ela
tava no abandono
Perdida
inriba do chão,
Vou
usando este cordão
Inté
aparecê dono.
Com
mais uns tempo pra frente
Que
isto tinha acunticido,
Tetê
achou novamente
Ôtro
objeto perdido.
Da
cidade eu tinha vindo,
Quando
ela me oió se rindo
Com
seu oiá feiticêro
E
dixe: quirido Jorge
Hoje
eu achei um reloge
Que
vale munto dinhêro.
Vendo
que ela tinha sorte,
O
dito era verdadêro
Proque
passava trensporte
Bem
perto do meu terrêro,
Dixe
com sinceridade
Sem
um pingo de mardade
Batê
no meu coração:
Este
reloginho é
De
arguma rica muié
Que
passou no caminhão.
Logo
um jurgamento eu fiz,
De
prazê todo repreto.
Eita,
que Têtê feliz
Promode
achá objeto!
Foi
tanta felicidade,
Que
pra dizê a verdade
Inté
dinhêro ela achô.
E
com tanta coisa achada,
Têtê
andava infeitafa
Que
nem muié de dotô.
Ela
já tinha pursêra
Ané,
reloge e cordão,
Mas
de minha companhêra
Eu
não censurava não!
Pois
delicada, tão boa,
Eu
não podia mardá.
Meu
coração é tranquilo,
Só
acredito naquilo
Que
veio prova legá.
O
tempo alegre corria
E
nóis alegre vivendo,
Quando
uma coisa eu queria,
Têtê
já tava querendo.
Causava
admiração
A
nossa grande união,
Sem
ninguém se aborrecê.
Tudo
era amô e carinho,
Mas
porém nóis dois sozinho
Sem
famía aparecê.
Ia
dia, vinha dia,
E
a união a crecê
Inté
que chegou o dia
De
Maria adoecê.
A
pobre fazia pena,
Sua
cô que era morena
Tava
ficando amarela,
Um
fastio, uma murrinha
E
sintindo uma coisinha
Friviando
dentro dela.
Com
esta situação
Eu
fiquei triste e sem graça,
Pedi
um burro ao patrão,
Fui
batê lá na farmaça
E
contei tudo ao dotô;
Ele
um caderno pegou
E
logo que o istudo fez
Me
garantiu que Maria
Ia
sê mãe de famia
No
prauzo de nove mês.
Não
era coisa medonha,
O
dotô logo deu fé
Que
era uma tal de cegonha,
Que
mexe com as muié
Eu
sinti grande alegria
Quando
sube que Maria
Ia
sê a mãe de um fio,
E
tanto que da viage
Só
truxe uma beberage
Mode
ela acabá o fastio.
A
gente fica contente
Que
só mesmo deus conhece
Quando
o desejo da gente
Na
nossa vida acontece.
Eu
vivia a maginá
Aqui,
ali e acolá,
No
mato, in casa e na roça;
Os
nove mês eu contava,
Quanto
mais dia passava,
Mais
Têtê ficava grossa.
Deus
é grande e tem bondade
Ele
é o nosso Pai Celeste
Que
defende a humanidade
De
fome, de guerra e peste.
Mas
é preciso que eu diga,
Não
sei pruquê Deus castiga
Um
homem bom cumo eu.
Dotô,
veja o meu azá,
Agora
é que eu vou contá
O
que foi que aconteceu.
Certo
dia da sumana,
Eu
chegando da cidade,
Vi
que na minha chupana
Tinha
grande nuvidade,
Tudo
in rubuliço tava,
Muié
saía e entrava,
Muié
entrava e saía
No
maió contentamento;
Têtê
naquele momento
Já
era mãe de famia.
Eu
que tudo já sabia
Sinti
naquele segundo,
A
mais maió alegria
Que
si pode tê no mundo.
Mas
veja a sorte misquinha:
Quando
eu entrei na cuzinha,
Uvi
no pé do fogão
Arguém,
baixinho, dizê:
O
minino da Têtê
Tem
a cara do patrão.
Com
esta conversa feia,
Que
arguém cuchichou dizendo,
Com
um fogo nas urêia
Saí
pro quarto correndo
E
vi lá Têtê deitada
Na
cama toda imbruiada,
O
corpo todo cuberto
E
a cara também ocurta,
Como
a pessoa qui furta
E
o robô vai discuberto.
Quando
naquele minino,
Eu
vi a cópias fié
Da
cara do Virgulino,
O
traidô coroné,
Vi
que o tiro da desgraça
Bateu
in minha vifraça
E
a minha luz apagou.
A
coisa tava sem jeito,
O
coração no meu peito
Virou
um bolo de dô.
Meu
trumento e meu castigo
Naquela
criança eu via
Não
parecia comigo
Nem
com a mãe parecia.
Têtê
da cô de canela;
Tombém
o cabelo dela
Cô
de pena de jacu
E
o capeta do minino,
Lôro,
do cabelo fino
Além
disto, os óio azu!
Foi
grande a minha caipora
E
foi maió o meu desgosto,
Eu
saí de porta afora
Com
as duas mão no rosto
Andando
sem dereção;
E
fui me sentá no chão
Lá
pru detrás do currá.
E
pensando in meu distino
Chorei
mais de que minino
Quando
chora pra mamá.
Sinti
minha arma firida,
Não
pude istancá meu choro,
Pruquê
Têtê nesta vida
Era
todo o meu tesôro,
E
eu vi naquele momento
Disonrado
o juramento
Mais
sagrado deste mundo;
Vi
naquela hora misquinha
Que
a minha requeza tinha
Virado
um cheque sem fundo.
Com
o corpo ardendo in brasa,
Eu
vortei de pé manêro
E
entrando dentro de casa
Como
o gato treiçoêro
Quando
qué jogá o bote
Arrumei
meus cafiote,
Botei
no borso uns vintém
E
como negro fugido
Saí
de casa escondido,
Sem
dizê nada a ninguém.
Dotô,
derne aquele istante,
Eu
virei um vagabundo
E
hoje do torrão distante
Ando
na lasca do mundo,
Sempre
de ruim a pió,
Sem
ninguém de mim tê dó,
Vagando
com sacrifiço
Todo
dia da sumana
Como
abêia intaliana
Quando
não acha curtiço.
Muié
farsa é um castigo
E
dela ninguém iscapa,
Têtê
foi farsa comigo
Dibaxo
de sete capa
Com
a cara do seu fio
Discubrio
o trocadio,
Vi
que o reloge e os ané,
A
pursêra, o cordão de ôro
E
todo aquele tesôro,
Quem
deu foi o coroné.
Veja
dotô minha sorte,
Sou
vagabundo infeliz
Longe
das terra do Norte,
Aqui
no Sú do país,
Coberto
de sofrimento,
Só
proquê meu casamento
Com
a Maria Têtê
Foi
triste e foi azalado
Foi
mesmo que eu tê comprado
Cartia
pro ôtro lê.
Estas décimas são compostas de uma quadra
e uma sextilha unidas, com um rígido esquema rimático: ABABCCDEED. E a
metrificação setissilábica acompanha o estilo dos cordelistas nordestinos.
Parabéns!
ResponderExcluirEu tinha muita vontade de encontrar essa peça. ..putativa era muito criativo. ..
Que bacana! Minha mãe procurou por muito tempo essa parte do livro! Obrigada!
ResponderExcluir
ResponderExcluirGrande Poeta Patativa do Assaré...