AS
PROEZAS DE SABINA
Patativa
do Assaré
(Esposa
dá uma surra no marido ao vê-lo chegar bêbado em casa.)
Derne
o Sú até o Norte
O
mundo cria de tudo,
Cabra
fraco e cabra forte,
Um
alegre, outro sisudo.
Diz
o professô Raimundo
Que
este nosso véio mundo
De
tudo pissui com sobra,
Coisa
bela e coisa feia,
Home
do geno de uvêia,
Muié
do geno de cobra.
A
vida não vale nada,
Tudo
veve a pelejá
E
o mundo é uma charada
Custosa
de decifrá.
Mas,
como quarqué sujeito
Qué
tê razão e dereito,
Dá
notiça e discrimina
As
coisa deste universo,
Eu
vou contá nestes verso
As
proeza de Sabina.
Sabina
é muié dereita,
Munta
honestidade tem,
Não
apóia nem aceita
Brincadêra
com ninguém.
É
dessas muié valente,
Atrevida
e renitente,
Que,
quando pega a falá,
Nem
o Satanás resiste.
E
ainda hoje ela insiste
Neste
Brasi de Cabrá.
Ela
nasceu num pranêta
Afobado
e revortado,
Não
se assombra com careta
Nem
tem medo de barbado.
Pensando
nesta senhora,
Vem
logo em minha mimora
O
que diz certo cantô
Nos
seus verso nordestino:
“Paraíba
masculino,
Muié
macho, sim sinhô!”
Há
munta gente hoje em dia
Que
conhece bem Sabina,
Viu
suas istripulias
No
tempo que era minina,
Pois
era munto sapeca,
Ispatifava
as boneca
Que
lhe davam de presente
E
das colega de escola,
Rasgava
livro e sacola:
Sabina
não era gente!
Sua
mãe munto bondosa,
Com
razão lhe castigava,
Mas
porém, ela raivosa,
Pelo
chão isperneava.
Demenhãzinha
bem cedo,
O
seu premêro brinquedo
Era
matratá os gato;
Era
raivosa e atrevida.
Toda
hora de comida,
Sabina
quebrava um prato.
Ficou
moça munto bela,
Era
um anjo, era um tesôro,
Mas
nunca ninguém viu ela
Com
históra de namôro.
Nunca
foi apaxonada,
Foi
sempre bem respeitada
Por
todo povo dali.
Era
moça munto sera,
Não
gostava de pilera
De
mongofa e qui-qui-qui.
Tinha
boa qualidade
Aquela
linda minina
E
os rapaz tinha vontade
De
namorá com Sabina,
Mas
quando os óio piscava,
A
moça se retirava
E
não dava confiança.
Era
sisuda e sagaz.
Por
isso, muntos rapaz
Já
tava sem esperança.
Havia
um rapaz peitudo,
Por
nome de João Pompeu.
Sabia
daquilo tudo,
Porém
nunca esmoreceu.
Era
amoroso e vaidoso,
Desses
rapaz corajoso,
Que
pra casá não magina,
Infrentá
quarqué derrota
E
andava perdendo as bota
Pra
se casá com Sabina.
João
Pompeu sempre dizia:
Quem
percisa é quem percura,
Até
que ele, certo dia,
Pra
cuiê uma madura
Foi
uma verde botá.
E
mesmo sem namorá,
Sua
sorte resorveu.
Com
Sabina se incrontando,
Foi
logo lhe perguntando:
Você
qué casá cum eu?
Ela
uviu e foi dizendo:
Lhe
dou a minha premessa,
Mas
porém, fique sabendo:
Nós
tem que casá depressa,
Pois
você não continua
Na
minha casa e na sua
Se
virando em lançadêra.
Veja
que o nosso noivado
Não
é pra ficá guardado
Como
carne em geladêra.
E
cada quá o mais ligêro,
Foi
resorvê o seu prano.
Era
aquele desespero:
Compra
pano e cose pano,
Um
corria e ôtro corria.
Com
menos de cinco dia,
Tava
pronto os inxová
E
o casamento se deu.
Sabina
com João Pompeu
Se
casou sem namorá.
Era
um casá bem unido,
Valia
a pena se vê.
Entre
muié e marido
Não
havia fuzuê.
Aquelas
duas pessoa
Tinha
uma vida tão boa
Que
fazia inveja a tudo.
Os
dois contente vivia,
Eles
junto parecia
Duas
alma num canudo.
Porém,
o tá Luçufé
Nunca
se aqueta nem drome,
Veve
atentando as muié,
Mode
briga com os home.
Muntas
vez, a gente vê
A
paz, o gozo e o prazê
De
duas pessoa unida,
Mas
logo depois o Diabo
Vem
bardiá com o rabo
As
água do má da vida.
João
Pompeu era querido,
Todos
lhe tinha amizade.
Foi
sempre bem recebido
Na
boa sociedade.
Gostava
de passeá
E
umas bicada tomá
Com
as pessoa granfina,
Mas
tinha pôca demora:
Toda
noite às nove hora
Tava
perto de Sabina.
Onde
os amigo chamava
João
Pompeu aparecia.
Sabina
não se importava,
Mas
lhe disse, um certo dia:
João,
você nunca se esqueça,
Sempre
cedo me apareça,
Pois
você já me compreende,
Tome
as suas cachacinha,
Mas
não vá saí da linha,
Se
não você se arrepende.
Este
consêio eu lhe dou,
Pra
você tomá coidado,
Pois
já conhece quem sou,
Não
se casou inganado.
Oiça
bem o que lhe digo,
Ande
com os seus amigo,
Pode
fazê o seu gasto
Nos
botequim, por aí,
Mas
nunca me chegue aqui
Fazendo
de um pé dois rasto.
Dizia
ela, zangada:
É
bom tomá meu consêio.
João
não lhe respondeu nada,
Mas
ficou munto vremêio
Uvindo
aquelas razão
E
disse com seus butão:
O
diabo desta muié
Tá
fazendo eu ficá ruim,
Hoje
eu vou ao botequim
E
vorto quando eu quisé.
Na
noite do mêrmo dia,
João
Pompeu foi para o bá,
Pois
bebendo ele queria
De
Sabina se vingá.
Não
tava de brincadêra,
Se
sentou numa cadêra
Calado
e munto sisudo,
Con
jeito de quem se vinga.
Uísque,
cerveja e pinga,
Ele
ia inrolando tudo.
A
noite tava incelente
E
a palestra ia crescendo
E
João Pompeu rinitente
Sempre
bebendo e dizendo:
Quando
eu pra casa vortá,
Se
a minha muié brigá
E
me recebê com grito,
Mostrando
seu geno mau,
Lhe
mostro com quantos pau
A
gente faz um cambito.
Inquanto
aquele pateta
Chingava
a sua muié,
Em
casa, Sabina, inquieta,
Tava
como cascavé
Na
hora que perde o bote,
Já
preparando o chicote
Pra
no marido batê.
Ia
dentro e vinha fora,
Pois
já era nove hora
E
João sem aparecê.
A
Sabina ia à cozinha
E
andava nos corredô,
Como
franga de galinha
Caçando
canto pra pô.
E
já bem de madrugada,
Interrogava,
zangada:
O
que diabo aconteceu?
Como
a onça da mão torta,
Roncava
no pé da porta,
Esperando
João Pompeu.
Naquela
noite, o coitado
Tava
capaz de reboque,
Vortou
munto embriagado,
Cacundo
como um bodoque.
Não
podia se aprumá,
Tremia
pra lá e pra cá
Que
nem pano de bandêra,
As
perna vinha trocada
Como
birro de munfada
Nas
mão da muié rendêra.
Tava
o pobre João Pompeu
Sem
entrada e sem saída,
O
seu corpo esmoreceu
Com
o peso da bebida,
O
pobre cambaliava,
Não
sabia onde pisava,
Ia
inriba e vinha imbaxo.
Assim
mêrmo entrou na sala
E
disse, tremendo a fala:
Sabina,
eu sou cabra macho.
Sabina
agarrou o marido,
Sem
dó e sem compaxão,
Deu
um soco desmedido,
Bateu
com ele no chão,
Incarou
o pé no cangote
E
foi descendo o chicote:
Pegue!
Pegue! Pegue! Pegue!
Pra
conhecê quem sou eu.
Bateu
tanto em João Pompeu,
Como
se bate num jegue!
E
depois de tê surrado,
Mode
mostrá sua fama,
Saiu
com o desgraçado,
Jogou
inriba da cama
E
ainda ficou raiando,
Pileriando
e zombando,
Dizendo
com ameaça:
Esta
pisa extravagante
É
pra você, de hoje em diante,
Aprendê
tomá cachaça.
Na
tarde do mêrmo dia,
João
inda tava deitado.
Se
levantá não queria,
Pruquê
tava incabulado.
Sabina
vendo a demora,
Disse:
se levante agora,
Pois
você não tá doente,
Não
quero marido assim,
Se
levante, cabra ruim,
Banhe
o rosto, escove os dente.
Choroso
e desconfiado
Se
levantou João Pompeu,
Com
o corpo incalombado
Da
surra que a muié deu.
Em
silêncio e paciente,
Banhou
rosto, escovou dente,
Como
Sabina mandou.
Sua
vergonha era tanta,
Que
o pobre só quis a janta,
Porque
Sabina obrigou.
Depois
daquela questão,
João
mudou a sua vida,
Não
foi mais à diversão
Nem
qué sabê de bebida.
Na
sua vida privada,
Pra
não vê seus camarada,
Munta
vez vai escondido.
É
tão grande a sua mágua
Que
quando qué bebê água
Não
bebe em copo de vrido.
Ficou
bastante inzemprado
E
a diciprina foi tanta,
Qui
mêrmo tanto infadado
Meia-noite
se levanta
Pra
inganá seus minino.
Ficou
um marido fino,
Sabe
em casa trabaiá.
Barre
casa e faz café,
Pra
ele virá muié
Só
farta dá de mamá.
Estas décimas são compostas de uma quadra
e uma sextilha unidas, com um rígido esquema rimático: ABABCCDEED. E a
metrificação setissilábica acompanha o estilo dos cordelistas nordestinos.
Muito bom!!!
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