SONETOS
DE AUGUSTO DOS ANJOS
ARIANA
Ela
é o tipo perfeito da ariana.
Branca,
nevada, púbere, mimosa,
A
carne exuberante e capitosa
Trescala
a essência que de si dimana.
As
níveas pomas do candor da rosa,
Rendilhando-lhe
o colo de sultana,
Emergem
da camisa cetinosa
Entre
as rendas sutis de filigrana.
Dorme
talvez. Em flácido abandono
Lembra
formosa no seu casto sono
A
languidez dormente da indiana.
Enquanto
o amante pálido, a seu lado,
Medita,
a fronte triste, o olhar velado,
No
Mistério da Carne Soberana.
ÚLTIMA VISIO
Quando
o homem resgatado da cegueira
Vir
Deus num simples grão de argila errante,
Terá
nascido nesse mesmo instante
A
mineralogia derradeira!
A
impérvia escuridão obnubilante
Há
de cessar! Em sua glória inteira
Deus
resplandecerá dentro da poeira
Como
um gasofiláceo de diamante!
Nessa
última visão já subterrânea,
Um
movimento universal de insânia
Arrancará
da insciência o homem precito...
A
Verdade virá das pedras mortas
E
o homem compreenderá todas as portas
Que
ele ainda tem de abrir para o Infinito!
SONETO
A
praça estava cheia. O condenado
Transpunha
nobremente o cadafalso,
Puro
de crime, isento de pecado,
Vítima
augusta de indelével falso.
E
na atitude do Crucificado,
O
olhar azul pregado n’amplidão,
Pude
rever naquele desgraçado
O
drama lutuoso da Paixão.
Quando
do algoz cruento o braço alçado
Se
dispunha a vibrar sem compaixão
O
golpe na cabeça do culpado
Ele,
o algoz - o criminoso - então,
Caiu
na praça como fulminado
A
soluçar: perdão, perdão, perdão!
VANDALISMO
Meu
coração tem catedrais imensas,
Templos
de priscas e longínquas datas,
Onde
um nume de amor, em serenatas,
Canta
a aleluia virginal das crenças.
Na
ogiva fúlgida e nas colunatas
Vertem
lustrais irradiações intensas
Cintilações
de lâmpadas suspensas
E
as ametistas e os florões e as pratas.
Como
os velhos Templários medievais
Entrei
um dia nessas catedrais
E
nesses templos claros e risonhos…
E
erguendo os gládios e brandindo as hastas,
No
desespero dos iconoclastas
Quebrei
a imagem dos meus próprios sonhos!
VERSOS ÍNTIMOS
Vês!
Ninguém assistiu ao formidável
Enterro
de tua última quimera.
Somente
a Ingratidão – esta pantera –
Foi
tua companheira inseparável!
Acostuma-te
à lama que te espera!
O
Homem, que, nesta terra miserável,
Mora
entre feras, sente inevitável
Necessidade
de também ser fera.
Toma
um fósforo. Acende teu cigarro!
O
beijo, amigo, é a véspera do escarro,
A
mão que afaga é a mesma que apedreja.
Se
a alguém causa inda pena a tua chaga,
Apedreja
essa mão vil que te afaga,
Escarra
nessa boca que te beija!
VENCEDOR
Toma
as espadas rútilas, guerreiro,
E
à rutilância das espadas, toma
A
adaga de aço, o gládio de aço, e doma
Meu
coração - estranho carniceiro!
Não
podes?! Chama então presto o primeiro
E
o mais possante gladiador de Roma.
E
qual mais pronto, e qual mais presto assoma,
Nenhum
pôde domar o prisioneiro.
Meu
coração triunfava nas arenas.
Veio
depois um domador de hienas
E
outro mais, e, por fim, veio um atleta,
Vieram
todos, por fim; ao todo, uns cem.
E
não pôde domá-lo, enfim, ninguém,
Que
ninguém doma um coração de poeta!
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