quinta-feira, 23 de julho de 2015

A Morte de Naná - Marcos Nunes

A MORTE DE NANÁ
(Resenha de Marcos Nunes Filho.)

      Émile Zola, escritor naturalista francês, é autor do famoso romance “Naná”, de 1880. A personagem central, Naná, nasceu na pobreza, de mãe lavadeira e pai alcoólatra. Já na adolescência corrompida, ela se torna conhecida ao atuar numa peça de teatro, “A Vênus Loura”, na qual interpreta a Deusa, sofrivelmente. Num golpe de audácia, apresenta-se inteiramente nua no palco, despertando comentários escandalosos e interesses lascivos.
      Os homens ficam alucinados com a exuberante beleza do seu corpo, transformando-a na mais cara e famosa cortesã de Paris. Prostituta de luxo, Naná deixa os ricaços enlouquecidos de desejo e paixão, os quais lhe dão os mais caros presentes, tornando-a riquíssima. Fria e calculista, com seu charme e glamour, consegue iludir a todos eles, mesmo os da alta sociedade aristocrática e financeira, reinando como rainha no seu palacete na Avenida de Villiers. Irresistível e bela, Naná sente desprezo pelos homens, os quais rastejam aos seus pés, humilhando-os de todas as formas. Nem assim eles a abandonam, totalmente dependentes dos seus carinhos e da sua atenção. Enfeitiçados por sua beleza, esbanjam fortunas com ela, pagando todas as suas despesas e satisfazendo todos os seus caprichos. Atraindo e corrompendo, uma verdadeira femme fatale, Naná leva alguns de seus amantes à ruína, desdenhando todos os pedidos de casamento. Uns abandonam as famílias, outros chegam a suicidar-se, por não poderem desfrutar daquele corpo voluptuoso e sedutor. Não existe homem que consiga resistir aos seus encantos. Com o seu rosto angélico, engana-os facilmente, ao prometer exclusividade e fidelidade.
      O romancista retrata os indivíduos do sexo masculino como sendo os tipos mais desprezíveis. São autênticos animais no cio, escravos dos desejos mais concupiscentes, sem amor próprio, irresponsáveis e levianos. Naná faz o que quer deles, exigindo ou iludindo, gritando ou sussurrando. É uma personalidade infantil, irritante e birrenta, mas também extremamente forte, e até mesma digna de piedade, por não conseguir escapar da rede que ela mesma criou.
      Na parte final do romance, num ritmo alucinante, todos os que rodeiam Naná são destruídos, devido a seus atos irrefletidos e insensatos. A cortesã exulta com esta destruição, como se estivesse vingando a sua origem miserável e pobre nos membros da mais alta sociedade parisiense, os quais rastejam a seus pés feito vermes.
      Zola descreve o fim de Naná como se fosse um trágico e solitário “castigo”, devido a ter optado por uma vida de desregramento sexual, que levou à desgraça os seus amantes, destruindo várias famílias. É uma visão tipicamente machista do século XIX, a condenar as mulheres que ousavam ir além dos seus limitados e domesticados papéis de donas de casa. No último capítulo, várias amigas de Naná acorrem até o Grand-Hotel, onde ela está hospedada, vítima da varíola, e ficam sabendo que acabara de morrer. Pelas ruas ao redor, escutavam-se os gritos do populacho decorrentes da recente declaração de guerra da França à Alemanha. Eis os parágrafos finais do romance:
      “O cadáver começava a empestar o ambiente. Foi um pânico, depois da longa despreocupação.
      - Vamos, vamos, meninas! – repetia Gaga – isto não é saudável.
      Correram todas para a porta, deitando de passagem um olhar à cama. Rosa ainda puxou a cortina. Achando que o lampião não ficava bem, acendeu a vela do candelabro e colocou-o na mesinha-de-cabeceira, perto da defunta. Uma viva luz iluminou de repente o rosto do cadáver. Foi um horror! Todos fugiram, horripiladas.
      - Ah! Está muito diferente, muito diferente – murmurou Rosa Mignon, saindo por último.
      A porta fechou-se. Naná ficou sozinha, com a cabeça iluminada pelo clarão do círio.
      Era uma carniça; um punhado de pus e de sangue, um naco de carne decomposta caído no travesseiro. As pústulas lhe haviam tomado inteiramente o rosto, uma junto da outra; já murchas, desinchadas, com o aspecto pardacento de lama, lembravam um bolor de terra. Nessa massa informe, não se reconheciam as feições. O olho esquerdo sumira-se completamente na purulência. O outro, entreaberto, era um buraco preto e repugnante. O nariz ainda supurava. De uma das faces, partia uma crosta avermelhada, a invadir-lhe a boca, torcida num esgar abominável. E, sobre essa máscara horrenda e grotesca, os cabelos dourados, os lindos cabelos de sol, desciam em cascata de ouro. Vênus decompunha-se.
      Dir-se-ia que os vírus colhidos por ela nas sarjetas, nos contatos malsãos que suportara, o fermento com que envenenara um povo, lhe subiam ao rosto e lhe apodreciam a beleza.
      O quarto estava vazio.
      Uma rajada de desespero elevou-se do boulevard, enfumou a cortina:
      - A Berlim! A Berlim! A Berlim!”
      Esta narrativa final de Zola, retratando Naná como um destroço humano, numa antecipada decomposição, fica para sempre registrada na mente dos leitores deste livro extraordinário!...

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