A MORTE DE NANÁ
(Resenha de Marcos Nunes Filho.)
Émile Zola, escritor naturalista francês,
é autor do famoso romance “Naná”, de 1880. A personagem central, Naná, nasceu
na pobreza, de mãe lavadeira e pai alcoólatra. Já na adolescência corrompida,
ela se torna conhecida ao atuar numa peça de teatro, “A Vênus Loura”, na qual
interpreta a Deusa, sofrivelmente. Num golpe de audácia, apresenta-se
inteiramente nua no palco, despertando comentários escandalosos e interesses
lascivos.
Os homens ficam alucinados com a
exuberante beleza do seu corpo, transformando-a na mais cara e famosa cortesã
de Paris. Prostituta de luxo, Naná deixa os ricaços enlouquecidos de desejo e
paixão, os quais lhe dão os mais caros presentes, tornando-a riquíssima. Fria e
calculista, com seu charme e glamour, consegue iludir a todos eles, mesmo os da
alta sociedade aristocrática e financeira, reinando como rainha no seu palacete
na Avenida de Villiers. Irresistível e bela, Naná sente desprezo pelos homens,
os quais rastejam aos seus pés, humilhando-os de todas as formas. Nem assim
eles a abandonam, totalmente dependentes dos seus carinhos e da sua atenção.
Enfeitiçados por sua beleza, esbanjam fortunas com ela, pagando todas as suas
despesas e satisfazendo todos os seus caprichos. Atraindo e corrompendo, uma
verdadeira femme fatale, Naná leva
alguns de seus amantes à ruína, desdenhando todos os pedidos de casamento. Uns
abandonam as famílias, outros chegam a suicidar-se, por não poderem desfrutar
daquele corpo voluptuoso e sedutor. Não existe homem que consiga resistir aos
seus encantos. Com o seu rosto angélico, engana-os facilmente, ao prometer
exclusividade e fidelidade.
O romancista retrata os indivíduos do
sexo masculino como sendo os tipos mais desprezíveis. São autênticos animais no
cio, escravos dos desejos mais concupiscentes, sem amor próprio, irresponsáveis
e levianos. Naná faz o que quer deles, exigindo ou iludindo, gritando ou
sussurrando. É uma personalidade infantil, irritante e birrenta, mas também
extremamente forte, e até mesma digna de piedade, por não conseguir escapar da
rede que ela mesma criou.
Na parte final do romance, num ritmo
alucinante, todos os que rodeiam Naná são destruídos, devido a seus atos
irrefletidos e insensatos. A cortesã exulta com esta destruição, como se
estivesse vingando a sua origem miserável e pobre nos membros da mais alta
sociedade parisiense, os quais rastejam a seus pés feito vermes.
Zola descreve o fim de Naná como se fosse
um trágico e solitário “castigo”, devido a ter optado por uma vida de
desregramento sexual, que levou à desgraça os seus amantes, destruindo várias
famílias. É uma visão tipicamente machista do século XIX, a condenar as
mulheres que ousavam ir além dos seus limitados e domesticados papéis de donas
de casa. No último capítulo, várias amigas de Naná acorrem até o Grand-Hotel,
onde ela está hospedada, vítima da varíola, e ficam sabendo que acabara de
morrer. Pelas ruas ao redor, escutavam-se os gritos do populacho decorrentes da
recente declaração de guerra da França à Alemanha. Eis os parágrafos finais do
romance:
“O cadáver começava a empestar o
ambiente. Foi um pânico, depois da longa despreocupação.
- Vamos, vamos, meninas! – repetia Gaga –
isto não é saudável.
Correram todas para a porta, deitando de
passagem um olhar à cama. Rosa ainda puxou a cortina. Achando que o lampião não
ficava bem, acendeu a vela do candelabro e colocou-o na mesinha-de-cabeceira,
perto da defunta. Uma viva luz iluminou de repente o rosto do cadáver. Foi um
horror! Todos fugiram, horripiladas.
- Ah! Está muito diferente, muito
diferente – murmurou Rosa Mignon, saindo por último.
A porta fechou-se. Naná ficou sozinha,
com a cabeça iluminada pelo clarão do círio.
Era uma carniça; um punhado de pus e de
sangue, um naco de carne decomposta caído no travesseiro. As pústulas lhe
haviam tomado inteiramente o rosto, uma junto da outra; já murchas,
desinchadas, com o aspecto pardacento de lama, lembravam um bolor de terra.
Nessa massa informe, não se reconheciam as feições. O olho esquerdo sumira-se
completamente na purulência. O outro, entreaberto, era um buraco preto e
repugnante. O nariz ainda supurava. De uma das faces, partia uma crosta
avermelhada, a invadir-lhe a boca, torcida num esgar abominável. E, sobre essa
máscara horrenda e grotesca, os cabelos dourados, os lindos cabelos de sol,
desciam em cascata de ouro. Vênus decompunha-se.
Dir-se-ia que os vírus colhidos por ela
nas sarjetas, nos contatos malsãos que suportara, o fermento com que envenenara
um povo, lhe subiam ao rosto e lhe apodreciam a beleza.
O quarto estava vazio.
Uma rajada de desespero elevou-se do boulevard, enfumou a cortina:
- A Berlim! A Berlim! A Berlim!”
Esta narrativa final de Zola, retratando
Naná como um destroço humano, numa antecipada decomposição, fica para sempre
registrada na mente dos leitores deste livro extraordinário!...
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