domingo, 12 de julho de 2015

Meu Livro no Sebo - João Rangel Coelho

MEU  LIVRO  NO  SEBO

(Carta a Floriano Lopes)

      (O Autor ofereceu, com sincera dedicatória, o seu livro de trovas ao velho amigo Floriano Lopes. Tempos depois, percorrendo uma casa de livros usados, lá encontrou o volume, com dedicatória e tudo. Comprou-o e, sob a primitiva, pôs esta nova dedicatória: “Ao Floriano Lopes, com a insistência do Rangel Coelho”). E remeteu-lhe o livro, acompanhado da seguinte carta:

Meu querido Floriano. Um grande abraço.
Nesta carta apressada, que lhe faço,
venho contar-lhe a história algo bacana,
com que me diverti nesta semana.
Velho frequentador de livrarias,
encontrei numa delas, há três dias,
o meu livro de trovas – joia rara –
que, quando veio a lume, eu lhe ofertara.
Conhecendo você, logo percebo
que se meu livro foi parar no sebo,
a culpa não foi sua. Com certeza,
algum larápio, cheio de esperteza,
o retirou aí de sua estante
e se desapertou, passando-o adiante.
Quis o destino que, de face a face,
na velha livraria eu o encontrasse
em meio de outros livros – coitadinho! –
como um canário que perdesse o ninho.
Encontrei-o, comprei-o. E, renitente,
ofereço-lhe agora, novamente,
certo de que você, mais precavido,
para evitar os furtos de um sabido,
o guardará, visando a melhor sorte,
num cofre de aço ou numa caixa forte,
ou que talvez o ponha no seguro
contra possíveis roubos no futuro.
Conserve-o, caro amigo, sem desdouro,
como se se tratasse de um tesouro,
pois meu livrinho, embora obra bisonha,
guarda os sonhos de um velho que ainda sonha,
de um velho-moço, de um senil-mancebo
que, por ser limpo, tem horror ao sebo.
E aqui fica, depois deste conselho,
seu amigo de sempre
                                      Rangel Coelho.


(“Meu Barro Municipal”, Rangel Coelho, Arsgráfica Editora Ltda., Duque de Caxias, RJ, 1977, página 149.)

        George Bernard Shaw encontrou certo dia um dos seus livros numa loja de livros usados de Londres. Ficou surpreso ao encontrar uma sua dedicatória no interior do livro. Shaw tinha-o oferecido "com muita estima" a um dos seus amigos. Comprou o volume imediatamente, embrulhou-o e enviou-o novamente, depois de ter acrescentado uma segunda dedicatória: "Com renovada estima, George Bernard Shaw".

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