CONVERSÃO DO DIABO
Leonid Andreiev
- Não cometi nenhum - respondeu
tristemente o diabo. - Procedi de acordo com a lei que o senhor me ensinou sem
me opor ao mal.
- Então, por que choras, fazendo-me
também chorar?
- Ah!, meu padre! Antigamente não sofria,
mas agora sofro infinitamente. Talvez o que fiz, seguindo suas indicações, seja
verdadeiramente o bem, mas por que não me causa ele nenhuma alegria? É
impossível que aquele que pratique o bem, não sinta alegria de espécie alguma.
Se o senhor soubesse quanto eu sofro! Sente-se, e lhe contarei tudo. O senhor
mesmo verá onde está o bem e o que tenho feito.
E o diabo contou minuciosamente como o
haviam perseguido, batido, saqueado e maltratado. Eis aqui o que lhe acontecera
por ultimo:
- Achava-me deitado, meu padre, atrás de
uma grande pedra à beira da estrada e vi a
aproximação de dois bandidos. Do outro lado da estrada e na mesma
direção, vinha uma mulher com um embrulho nos braços que parecia de valor.
Os bandidos correram para ela e gritaram:
"Dá-nos isso!" Mas a mulher negou-se. Então um dos bandidos tirou sua
espada...
- E o que fez? - exclamou, com voz
comovida, o sacerdote.
- Feriu com ela a infeliz mulher,
partindo-lhe a cabeça. Ela caiu, juntamente com o precioso fardo que levava nos
braços. Quando os bandidos o abriram viram que o tesouro da assassinada era uma
criança. Os bandidos puseram-se a rir e um deles, o que estava com a espada,
segurou a criança por uma das perninhas, alçou-a no ar e...
- Como? - perguntou, trêmulo, o
sacerdote.
- ...atirou-a contra as pedras...
O sacerdote se pôs a gritar:
- Mas tu, tu?... Não fizeste nada para
defender a mãe e o filho? DESGRAÇADO! COMO NÃO ATACASTE OS BANDIDOS?
- Com o quê? Antes do acontecido me
haviam roubado até meu bastão, única arma que possuía.
- Vamos ver!... Uma vez que tu és diabo,
deves ter cornos... Devia atacá-los com os teus cornos! Na tua qualidade de
diabo, podias haver encontrado um meio de lutar contra eles.
- O senhor se esquece, meu padre, que
está escrito: NÃO TE OPONHAS AO MAL?
Reinou um demorado silêncio. Depois o
sacerdote, pálido como um cadáver, caiu de joelhos, e disse cheio de remisão:
- A culpa é minha! Não foste tu, nem
foram os bandidos quem assassinou a mãe e o filho. O assassino fui eu... Espera
um pouco meu amigo: vou rogar a Deus que perdoe nossos pecados.
A oração durou muito tempo, tanto, que o
diabo dormiu. O sacerdote o despertou dizendo-lhe:
- Estas grandes palavras não são para
nós. Em geral, não se necessitam palavras, nem leis. Vejo bem claro, que alguma
vezes é preciso odiar. Em algumas ocasiões convém deixar-se bater, mas há
circunstâncias em que se torna necessário maltratar os demais. Este é o
verdadeiro sentido do bem!
- Nesse caso estou perdido - disse
resolutamente o diabo, com uma triste entonação na voz. - O senhor pode fazer
por seu lado o que lhe agrade; a mim, porém, dê-me leis para seguir.
- Nada mais posso fazer! Para que te
enganes outra vez e me faças pecar? Não, meu amigo; basta. Acabaram-se as
regras! Já não existem mais regras que valham!
O diabo ficou furioso.
- Mas se não existem regras é que
tampouco existe o bem?
- Como? Não existe o bem? Então, não é o
bem isto de ocupar-me de ti há tanto tempo? Vai-te! És um ingrato!
Mas o diabo, que parecia sumir-se no mais
profundo desespero, replicou:
- O que o senhor me ensinou é bem pouca
coisa. Não tem do que se ufanar.
- É
difícil ensinar o diabo.
- Se o senhor não possui forças para
ensinar o diabo, é porquê o seu bem vale muito pouco.
- Cala-te, desgraçado, ou te porei na
rua.
- Faça-o. Não me restará outro remédio
senão voltar ao inferno.
Reinou novamente o silêncio.
Depois o diabo disse:
- Hei de regressar, por força, ao
inferno, meu padre?
Sua voz era tão triste e comovida, que o
sacerdote se condoeu e, com um gesto de amizade, lhe falou:
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