segunda-feira, 28 de setembro de 2015

A Conversão do Diabo - Leonid Abdreiev (Parte 7)

 CONVERSÃO DO DIABO

Leonid Andreiev

      - Não cometi nenhum - respondeu tristemente o diabo. - Procedi de acordo com a lei que o senhor me ensinou sem me opor ao mal.
      - Então, por que choras, fazendo-me também chorar?
      - Ah!, meu padre! Antigamente não sofria, mas agora sofro infinitamente. Talvez o que fiz, seguindo suas indicações, seja verdadeiramente o bem, mas por que não me causa ele nenhuma alegria? É impossível que aquele que pratique o bem, não sinta alegria de espécie alguma. Se o senhor soubesse quanto eu sofro! Sente-se, e lhe contarei tudo. O senhor mesmo verá onde está o bem e o que tenho feito.
      E o diabo contou minuciosamente como o haviam perseguido, batido, saqueado e maltratado. Eis aqui o que lhe acontecera por ultimo:
      - Achava-me deitado, meu padre, atrás de uma grande pedra à beira da estrada e vi a  aproximação de dois bandidos. Do outro lado da estrada e na mesma direção, vinha uma mulher com um embrulho nos braços que parecia de valor.
      Os bandidos correram para ela e gritaram: "Dá-nos isso!" Mas a mulher negou-se. Então um dos bandidos tirou sua espada...
      - E o que fez? - exclamou, com voz comovida, o sacerdote.
      - Feriu com ela a infeliz mulher, partindo-lhe a cabeça. Ela caiu, juntamente com o precioso fardo que levava nos braços. Quando os bandidos o abriram viram que o tesouro da assassinada era uma criança. Os bandidos puseram-se a rir e um deles, o que estava com a espada, segurou a criança por uma das perninhas, alçou-a no ar e...
      - Como? - perguntou, trêmulo, o sacerdote.
      - ...atirou-a contra as pedras...
      O sacerdote se pôs a gritar:
      - Mas tu, tu?... Não fizeste nada para defender a mãe e o filho? DESGRAÇADO! COMO NÃO ATACASTE OS BANDIDOS?
      - Com o quê? Antes do acontecido me haviam roubado até meu bastão, única arma que possuía.
      - Vamos ver!... Uma vez que tu és diabo, deves ter cornos... Devia atacá-los com os teus cornos! Na tua qualidade de diabo, podias haver encontrado um meio de lutar contra eles.
      - O senhor se esquece, meu padre, que está escrito: NÃO TE OPONHAS AO MAL?
      Reinou um demorado silêncio. Depois o sacerdote, pálido como um cadáver, caiu de joelhos, e disse cheio de remisão:
      - A culpa é minha! Não foste tu, nem foram os bandidos quem assassinou a mãe e o filho. O assassino fui eu... Espera um pouco meu amigo: vou rogar a Deus que perdoe nossos pecados.
      A oração durou muito tempo, tanto, que o diabo dormiu. O sacerdote o despertou dizendo-lhe:
      - Estas grandes palavras não são para nós. Em geral, não se necessitam palavras, nem leis. Vejo bem claro, que alguma vezes é preciso odiar. Em algumas ocasiões convém deixar-se bater, mas há circunstâncias em que se torna necessário maltratar os demais. Este é o verdadeiro sentido do bem!
      - Nesse caso estou perdido - disse resolutamente o diabo, com uma triste entonação na voz. - O senhor pode fazer por seu lado o que lhe agrade; a mim, porém, dê-me leis para seguir.
      - Nada mais posso fazer! Para que te enganes outra vez e me faças pecar? Não, meu amigo; basta. Acabaram-se as regras! Já não existem mais regras que valham!
      O diabo ficou furioso.
      - Mas se não existem regras é que tampouco existe o bem?
      - Como? Não existe o bem? Então, não é o bem isto de ocupar-me de ti há tanto tempo? Vai-te!  És um ingrato!
      Mas o diabo, que parecia sumir-se no mais profundo desespero, replicou:
      - O que o senhor me ensinou é bem pouca coisa. Não tem do que se ufanar.
      - É difícil ensinar o diabo.
      - Se o senhor não possui forças para ensinar o diabo, é porquê o seu bem vale muito pouco.
      - Cala-te, desgraçado, ou te porei na rua.
      - Faça-o. Não me restará outro remédio senão voltar ao inferno.
      Reinou novamente o silêncio.
      Depois o diabo disse:
      - Hei de regressar, por força, ao inferno, meu padre?
      Sua voz era tão triste e comovida, que o sacerdote se condoeu e, com um gesto de amizade, lhe falou:

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