Embora o texto a seguir não seja propriamente literário, mas ocultista, transcrevê-lo-ei devido às belas imagens poéticas que evoca.
“O Lúcifer da cabala não é um anjo
maldito e fulminado, é o anjo que ilumina e que regenera queimando; é para os
anjos de paz o que o cometa é para as tranquilas estrelas das constelações da
primavera.
A estrela fixa é bela, radiante e calma;
ela respira os celestes aromas e olha com amor as suas irmãs; vestida com sua
roupagem esplêndida e a fronte ornada de diamantes, ela sorri, cantando o seu
cântico da manhã e da tarde; goza um repouso eterno que nada poderia perturbar,
e caminha solenemente, sem sair do lugar que lhe é determinado entre as
sentinelas da luz.
Contudo, o cometa errante, todo ensanguentado
e desgrenhado, acorre das profundezas do céu; precipita-se através das esferas
tranquilas, como um carro de guerra entre as fileiras de uma procissão de
vestais; ousa afrontar a espada flamejante dos guardas do sol, e, como uma
esposa apaixonada que procura o esposo sonhado pelas suas noites de viuvez, penetra
até o tabernáculo do rei dos dias, depois foge, exalando os fogos que o devoram
e arrastando após si um longo incêndio; as estrelas empalidecem ao seu
aproximar, os rebanhos constelados que pastam flores de luz nas vastas campinas
do céu parecem fugir do seu sopro terrível. O grande conselho dos astros se
reúne, e a consternação é universal: a mais bela das estrelas fixas é, enfim,
encarregada de falar em nome de todo o céu e propor a paz ao mensageiro
vagabundo.
Meu irmão – diz ela – por que perturbas a
harmonia das nossas esferas? Que mal te fizemos nós e por que, em vez de errar
ao acaso, não te fixas no teu lugar na corte do sol? Por que não vens cantar
conosco o hino da tarde, enfeitado, como nós, com uma roupa branca que se
prende no peito por um broche de diamante? Por que deixas flutuar, através dos vapores
da noite, a tua cabeleira, da qual escorre um suor de fogo? Oh! Se tomasses um
lugar entre os filhos do céu, quanto parecerias mais belo! A tua fronte não
ficaria mais inflamada pela fadiga da tua carreira inaudita; teus olhos seriam
puros e tua fronte sorridente seria branca e avermelhada como a de tuas felizes
irmãs; todos os astros te conheceriam, e, longe de temer a tua passagem, se
alegrariam ao teu aproximar; porque estarias ligado a nós pelos laços
indestrutíveis da harmonia universal, e a tua existência seria mais uma voz no
cântico do amor infinito.
E o cometa responde à estrela fixa:
Não creias, ó minha irmã, que possa errar
ao acaso e perturbar a harmonia das esferas; Deus traçou meu caminho como o
teu, e se a minha carreira te parece incerta e vagabunda, é porque os teus
raios não poderiam estender-se tão longe para abarcar o contorno da elipse que
me foi dada por carreira. A minha cabeleira inflamada é o fanal de Deus; sou o
mensageiro dos sóis e fortaleço-me nos seus fogos para os partilhar no meu
caminho aos novos mundos que ainda não têm bastante calor, e aos astros envelhecidos
que têm frio na sua solidão. Se me afadigo nas minhas longas viagens, se sou de
uma beleza menos atrativa do que a tua, se o meu enfeite é menos virginal, não
deixo, por isso, de ser, como tu, um nobre filho do céu. Deixa-me o segredo do
meu destino terrível, deixa-me o espanto que me rodeia, amaldiçoa-me, se não
podes compreender-me: não deixarei, por isso, de realizar a obra que me foi
imposta e continuarei a minha carreira sob o impulso do sopro de Deus! Felizes
das estrelas que repousam e que brilham, como jovens rainhas, na sociedade
tranquila dos universos! Eu sou o proscrito que viaja sempre e tem o infinito
por pátria. Acusam-me de incendiar os planetas que aqueço e de atemorizar os
astros que ilumino; censuram-me de perturbar a harmonia dos universos porque
não giro ao redor dos seus centros particulares e os prendo uns aos outros,
fixando meus olhares no centro único de todos os sóis. Fica, pois, sossegada,
bela estrela fixa, não quero tirar a tua luz tranquila; pelo contrário,
esgotarei por ti a minha vida e o meu calor. Poderei desaparecer do céu quando
me tiver consumido; a minha sorte terá sido tão bela! Saiba que no templo de
Deus ardem fogos diferentes que lhe dão glória; tu és a luz dos candelabros de ouro,
e eu a chama do sacrifício: realizemos os nossos destinos.
Acabando estas palavras, o cometa sacode a
sua cabeleira, cobre-se com a sua couraça ardente e se lança nos espaços
infinitos em que parece desaparecer para sempre.
É assim que aparece e desaparece Satã,
nas narrações alegóricas da Bíblia.
Um dia, diz o livro de Jó, os filhos de
Deus tinham vindo para se apresentarem ao Senhor e, entre eles, também estava
Satã, a quem o Senhor perguntou: Donde vens?
E ele respondeu: Fiz a volta da terra e a
percorri.
Eis como um evangelho gnóstico,
encontrado no Oriente por um sábio viajante, nosso amigo, explica, em proveito
do simbólico Lúcifer a gênese da luz:
“A verdade que se conhece é o pensamento
vivo. A verdade é o pensamento que está em si mesmo; e o pensamento formulado é
a palavra. Quando o pensamento eterno procurou uma forma, disse: “Faça-se a
luz!”
Ora, este pensamento que fala é o Verbo;
e o Verbo diz: “Faça-se a luz, porque o próprio Verbo é a luz dos espíritos”.
A luz incriada, que é o Verbo divino,
irradia porque quer ser vista; e quando diz: “Faça-se a luz!”, ordena aos olhos
que se abram; criam inteligências.
E quando Deus disse: “Faça-se a Luz!”, a
inteligência foi feita e a luz apareceu.
Ora, a inteligência, que Deus tinha
vertido do sopro da sua boca, como uma estrela desprendida do sol, tomou a
forma de um anjo esplêndido e o céu o saudou com o nome de Lúcifer.
A inteligência despertou-se e compreendeu
totalmente a si mesma ao ouvir esta palavra do Verbo divino: “Faça-se a luz!”
Ela sentiu-se livre, porque Deus lhe
tinha ordenado de o ser; e respondeu, levantando a cabeça e estendendo as suas
asas:
- Não serei a escravidão!
- Serás, pois, a dor? – perguntou-lhe a
voz incriada.
- Serei a Liberdade! – respondeu a voz.
- O orgulho te seduzirá – retrucou a voz
suprema – e produzirás a morte.
- Tenho necessidade de lutar contra a
morte para conquistar a vida – disse ainda a luz criada.
Deus, então, desprendeu do seu seio o fio
de esplendor que retinha o anjo soberbo e, vendo-o lançar-se na noite que
assinalava de glória, amou o filho do seu pensamento e, sorrindo com inefável
sorriso, disse a si mesmo: “Como a luz era bela!”
Deus não criou a dor; é a Inteligência
que a aceitou para ser livre. E a dor foi a condição imposta ao ser livre, por
aquele que é o único que se não pode enganar, porque é infinito.
Porque a essência da inteligência é o
juízo; e a essência do juízo é a liberdade.
O olho percebe realmente a luz pela
faculdade de fechar-se e abrir-se. Se fosse forçado a estar sempre aberto,
seria escravo e vítima da luz; e, para fugir desse suplício, cessaria de ver.
Assim, a Inteligência criada não só é
feliz de afirmar a Deus pela liberdade que tem de negar a Deus. Ora, a
Inteligência que nega, afirma sempre alguma coisa, pois afirma a sua liberdade.
É por isto que o blasfemo glorifica a
Deus; é por isso que o inferno era necessário à felicidade do céu.
Se a luz não fosse repelida pela sombra,
não haveria formas visíveis.
Se o primeiro dos anjos não tivesse
afrontado as profundezas da noite, a parturição de Deus não teria sido completa
e a luz criada não teria podido separar-se da luz por essência.
Jamais a Inteligência teria sabido quanto
Deus é bom, se nunca o tivesse perdido!
Jamais o amor infinito de Deus teria
brilhado nas alegrias da sua misericórdia, se o filho pródigo do céu tivesse
ficado na casa de seu pai.
Quando tudo era luz, a luz não estava em
parte alguma; ela estava contida no seio de Deus que estava em trabalho para a
produzir. E quando disse: “Faça-se a luz!”, permitiu que a noite repelisse a
luz e o universo saiu do caos.
A negação do anjo que, ao nascer, recusou
ser escravo, constituiu o equilíbrio do mundo e o movimento das esferas
começou.
E os espaços infinitos admiraram este
amor da liberdade, tão imenso para encher o vácuo da noite eterna e tão forte
para suportar o ódio de Deus.
Mas Deus não podia odiar o mais nobre de
seus filhos, e só o experimentava, pela sua cólera, para confirmá-lo no seu
poder.
Por isso, o próprio Verbo de Deus, como
se tivesse inveja de Lúcifer, quis descer do céu e atravessar triunfalmente as
sombras do inferno.
Quis ser proscrito e condenado; e meditou
adiantadamente a hora terrível em que exclamaria, no extremo do seu suplício: “Meu
Deus! Meu Deus! por que me abandonaste?” (Na verdade, Cristo falou: “Meu Deus!
Meu Deus! Quanto me glorificas!”)
Como a estrela da manhã precede o sol, a
insurreição de Lúcifer anunciou à natureza nascente a próxima encarnação de
Deus.
Talvez Lúcifer, caindo na noite, arrastou
uma chuva de sóis e estrelas por atração da sua glória!
É por isso que, sem dúvida, fica calmo ao
alumiar as horríveis angústias da humanidade e a lenta agonia da terra, porque
é livre na sua solidão e possui sua luz.”
(“Dogma e Ritual de Alta Magia”, Eliphas
Levi, Introdução da Segunda Parte, o Ritual.)
Muito belo. A ESTRELA FLAMEJANTE da Maçonaria é Lucifer da Kaballah.
ResponderExcluirLúcifer eu te amo....
ResponderExcluirLúcifer, eu te amo....
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