sexta-feira, 11 de setembro de 2015

A Escrava do Dinheiro - Patativa do Assaré (Parte 3)

A escrava do dinheiro
(Regina larga o marido pobre pra ficar com um rico)

Patativa do Assaré

A sua fala não era
Como as fala do sertão.
Tinha todo o requifife
Da coisa de inducação,
Mas não valia de nada,
Era inducação formada
De pena, tinta e papé.
Era inducação no jeito,
Mas tinha dentro do peito
Veneno de cascavé.

Naquela noite de festa,
Provou com seu mau costume
Que a inducação dele era
Fora do santo rejume.
Quando ele oiou pra Regina,
Pra beleza da menina,
Vi logo que ele ficou
Mardando e se penerando,
Como gavião oiando
Pra rola fogo-pagou.

Regina oiava pra ele
Mas sem pensá em xodó,
Sua ceguêra era o enfeito
Da gola do palitó,
Eu tava vendo e sabia
Que não era simpatia,
Era inveja, era imbição,
Não era amô nem caboje,
Era os ôro, era o reloge,
A corrente e os anelão.

Agora vocemincêis
Preste atenção e me escute,
Pra sabê como o dinhêro
Faz a pintura do fute.
Apois aquele sujeito,
Me fartando com o respeito
E abrindo pertinho d’eu
Uma borsa atopetada
De nota verde e rajada,
Regina se derreteu.

Regina se transformou
E com inveja sem fim
Piscava os óio pro cara,
Sem querê sabê de mim.
E pra encurtá minha histora,
Mais tarde umas certas hora
Qué sabê o que ela fez?
Me engabelou sem escrupo
E logo, traz-zás num vupo,
Foi se embora com o freguês.

Pras banda do Pioí
O descarado azulou,
Com Regina, a sertaneja,
A causa da minha dô.
Por isso é que eu disse e digo:
Dinhêro é grande inimigo,
Dinhêro é farso e crué,
E ainda mais faz afronta
Quando ele toma de conta
De um coração de muié.

Ninguém vá pensá que eu conto
Histora que uvi contá,
Isso se passô comigo
Numa noite de Natá,
Vinte e quatro de dezembro.
Inda hoje, quando me lembro
Daquela farsa Regina,
Daquela ingrata cabôca,
Eu sinto no céu da boca
Um gosto de quina-quina.

Já tou véio e sou casado,
Não tenho mais inlusão,
Mas inda vejo Regina
Na minha maginação,
Essa mágua inda padeço,
Pelejo mas não me esqueço
Do má que ela fez a mim,
Inda me fere e me dói,
Não sei pra que Deus estrói
Beleza com gente ruim.

Ô natureza de cobra!
Bem dizia o meu avô
Que há gente pra tudo e sobra
Neste mundo enganadô.
Eu fiquei horrorizado,
Quage doido, amalucado,
De vê aquela muié
Se atranvancá nos abismo
Por causa de uns argarismo
E uns pedaço de papé.

Dinhêro é um fogo ardente
Que faz munto coração
Se derretê como cera
Na quintura do tição.
Dinhêro trensforma tudo,
Faz de um alegre um sisudo,
Dá nó e desmancha nó,
E finalmente o dinhêro
É o maió feiticêro,
É o Rei do Catimbó.

(“Patativa do Assaré – Melhores Poemas”, seleção de Cláudio Portella, Global Editora e Distribuidora Ltda., São Paulo, 2006, Páginas 238 a 250.)

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