quarta-feira, 23 de setembro de 2015

A Conversão do Diabo - Leonid Andreiev (Parte 2)

A CONVERSÃO DO DIABO

Leonid Andreiev

      Após uma de suas visitas ao inferno, voltou com particular satisfação à tranquila igrejinha e durante dois dias e duas noites dormiu como um justo atrás da coluna. Quando despertou, disfarçou-se de homem, dirigindo-se ao confessionário, onde se achava o pároco, pois era hora das confissões. O velho sacerdote ficou estupefato, quando este senhor desconhecido, já idoso, de expressão triste e aborrecida, nariz grande, lábios finos e enrugados, apresentou-se como diabo. Mas este lhe jurou, e o sacerdote acabou por acreditá-lo. Com curiosidade perfeitamente infantil, pôs-se a interrogá-lo sobre as coisas do inferno.
      O diabo, porém, não mostrou desejo de querer falar nelas.
      - Ai! meu padre. Aquilo não é viver; é um verdadeiro inferno...
      - Bem, mas onde estão os teus cornos e os teus cascos? - perguntou o padre, curiosamente. - E para que vieste aqui? Para tentar-me, ou para arrepender-te? Se julgas que me tentas, previno-te de que não o conseguirás. E com um sorriso levemente irônico acrescentou:
      - Eu, meu caro senhor, não me deixo tentar!
      - Pois apesar de tudo, logrei fazê-lo cair em tentação muitas vezes. Recorda-se da carne que comeu no ultimo dia de jejum?
      - Que carne?
      - Faz hoje quinze dias. - O sacerdote ficou inquieto.
      - Então, foste tu quem me sugeriste essa ideia pecadora? Ai meu Deus! Vai-te... vai-te... Não te quero ver mais! Põe teus cornos na cabeça, vai-te... Se não fizeres, chamarei o sacristão.
      - Vim para arrepender-me... e o senhor me escorraça! – exclamou tristemente o diabo. - No entanto, está escrito no Evangelho que se uma ovelha desgarrada...
      - Mas, conheces tu o Evangelho? - perguntou o assombrado sacerdote.
      - O senhor pode examinar-me - respondeu orgulhosamente o diabo.
      - Impossível!
      - Interrogue-me e verá.
      - Eis uma surpresa! Vamos à minha casa; ali te examinarei. Não convém que continues neste santo lugar... Que coisa tão extraordinária! Um diabo que conhece o Evangelho! Vamos para casa!...
      Durante toda a noite o pároco, em sua casa, examinou o.diabo e cada vez mais se assombrava.
      - Tu és um verdadeiro sábio em questões religiosas! Realmente! - Porventura as estudaste?
      - Um pouco - respondeu modestamente o diabo.
      Apesar dessa modéstia, conservava sua dignidade; não se humilhava; nem mostrava demasiada afetação. Via-se logo que era um diabo sério, ponderado e judicioso. Não se orgulhava dos seus conhecimentos, e por isso agradava mais ainda ao velho sacerdote.
      - Afinal, - perguntou-lhe o padre - o que desejas?
      Então o diabo caiu de joelhos, exclamando:
      - Ensine-me, meu padre, a praticar a virtude. Sinto grande desejo disso. Eu não posso viver sem praticar a virtude, porém não sei como fazê-lo. Quanto ao Satanás e a todos os misteres diabólicos, renuncio a eles para sempre.
      E, com o fito de confirmar suas palavras, o diabo cuspiu desdenhosamente três vezes seguidas.
      O pároco, então, bateu amigavelmente no ombro do diabo; este afastou-se um pouco, pois não lhe agradava que o tratassem com demasiada familiaridade e perguntou insistentemente e com melancólica entonação na voz:
      - Meu padre, vai o Senhor ensinar-me a praticar a virtude?
      - Já o veremos! Antes de mais nada, é preciso começar a ler as obras dos Santos. Tu conheces bem a Bíblia, mas isso só não basta... Vai passear um pouco... Enquanto passeias, far-te-ei uma lista do que deves ler. Ouve, meu amigo... Estás sempre assim?
      - Que diz o senhor?
      - Falo da tua aparência... Tens um aspecto estranho... Dir-se-ia que comes pouco e te entregas sempre a tristes reflexões... Ou talvez não estejas sempre assim!... Se podes tomar outra forma, mostra-me... embora seja eu velho, nunca vi outros diabos...
      Mas o diabo não lhe quis dizer a verdade.
      - Não! Estou sempre assim - foi a resposta.
      - Verdade?... Tanto melhor... Pois olha: vai dar uma voltazinha, enquanto eu trabalho para o teu bem... Embora tivesse dito que és sábio, na realidade, meu amigo, ainda te falta muito... muito...
      - O que mais me interessa é aprender a praticar a virtude. Ensinar-me-á o senhor?
      - Sim, sim... - disse o velho sacerdote, tranquilizando-o. – Lerás muitos livros e aprenderás tudo... Não tenhas medo...

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