sábado, 26 de setembro de 2015

A Conversão do Diabo - Leonid Andreiev (Parte 5)

A CONVERSÃO DO DIABO

Leonid Andreiev

      - Desgraçado! Mil vezes desgraçado! - exclamou furioso o sacerdote. – Mas não acabaste de dizer que te pediram muitas coisas?
      - Sim.
      - Pediram-te, por exemplo, pão?
      - Sim.
      - E não lhes deste?
      - Não. Esperava que me pedissem a camisa... Veja, meu padre, que não faço senão asneiras. Não me repreenda o senhor, se me engano ao procurar o caminho do bem. Quero encontrá-lo, custe o que custar. Por algum motivo renunciei ao inferno, como a todos os seus prazeres. Por algum motivo passei, durante dois anos, os dias e as noites sobre os livros, devorando-os. Agora vejo que não existe salvação para mim...
      - Espera... e não te desesperes. Vou ensinar-te ainda umas tantas coisas... Diz-me, porém; por que deu aquele homem uma bengalada na tua cabeça? Talvez sejas uma vitima inocente e, nesse caso, uma parte dos teus pecados poderá ser perdoada.
      O diabo fez um ar de dúvida.
      - Nem eu mesmo o sei. Antes, também acreditava ser uma vítima inocente, mas agora já não sei mais nada. A coisa ocorreu da seguinte forma: depois de longos passeios pela cidade, cansado e desesperado, mas ainda cheio do mais ardente desejo de fazer o bem, sentei-me na margem do rio Arno, para descansar um pouco e restaurar as forças. De repente vi que um homem se afogava no rio. Nos seus esforços desesperados para se salvar, chegou muitas vezes perto de mim.
      - E tu, infeliz?
      - Eu? Contemplei-o, perguntando a mim mesmo como era possível que ele se mantivesse à tona da água quando, segundo todas as leis da física, ele já devia ter-se afogado. Enquanto assim refletia, acudiu uma porção de gente, atraída pelos seus gritos. Se o senhor quer saber a verdade, não foi um só que me bateu, mas inúmeros...
      Triste e abatido, cheio de feridas e cicatrizes, o diabo permaneceu de pé ante o sacerdote.
      Este contemplava-o atentamente, com ar pensativo.
      Depois suspirou e, aproximando-se dele, atraiu-o para perto de si, beijando-lhe a fronte. Ao fazer isso, percebeu que a cabeça do diabo estava coberta de sangue seco.
      O diabo, depois de haver recebido o beijo, disse com voz assustada:
      - Tenho medo, meu padre. Vi no inferno horrores sem nome, mas jamais me senti tão perturbado e inquieto como agora. Não há nada mais terrível do que aspirar apaixonadamente o bem e não saber como ele é. Não consigo compreender como podem viver as pessoas na terra, ignorando o que é o bem. Com todo o meu coração, tenho piedade delas!
      - Vivem, apesar de tudo, respondeu o sacerdote. - Uns, como animais, sem se preocuparem com estes graves problemas; outros procuram, como tu, o caminho do bem e da virtude, e sofrem porque não conseguem encontrá-lo. Outros, ainda, crendo haverem encontrado o bom caminho, inventam preceitos saudáveis e vivem perfeitamente com eles.
      - E essa gente se salva? - perguntou o diabo, desconfiado.
      - Só Deus o sabe! Isto vai além dos nossos conhecimentos... Quanto a ti, não te desesperes. Eu não te abandonarei, e te ensinarei ainda algumas coisas mais. Não me faltará tempo nem paciência para tanto. Tu és um diabo muito impulsivo, mas não se deve perder a esperança. Agora, vai lavar as feridas da cabeça.
      Assim terminou a conversa entre o diabo e o sacerdote.
      Ambos ignoravam que, precisamente no momento de beijar o sacerdote a fronte abominável do diabo, ao mesmo tempo que este, por sua vez, se compadecia dos que desconheciam o bem, se realiza esse mesmo bem, que eles inutilmente buscavam.
      Separaram-se. O sacerdote foi à procura de novos caminhos que conduzissem ao bem. O diabo encerrou-se na igreja, atrás das empoeiradas colunas, para ali se restabelecer dos ferimentos, e esforçar-se por compreender os grandes e misteriosos problemas do bem e do mal.
      O sacerdote começou, novamente, a ensinar o bem ao dócil diabo. Isto, porém, foi a causa de uma nova série de aborrecimentos para ambos. Dava o bom padre a seu discípulo ensinamentos pormenorizados para as diferentes circunstâncias da vida, e tudo caminhava bem enquanto estas se apresentavam justamente sob o mesmo aspecto, e na mesma ordem prevista pelo professor.

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