A CONVERSÃO DO DIABO
Leonid Andreiev
- Desgraçado! Mil vezes desgraçado! -
exclamou furioso o sacerdote. – Mas não acabaste de dizer que te pediram muitas
coisas?
- Sim.
- Pediram-te, por exemplo, pão?
- Sim.
- E não lhes deste?
- Não. Esperava que me pedissem a camisa...
Veja, meu padre, que não faço senão asneiras. Não me repreenda o senhor, se me
engano ao procurar o caminho do bem. Quero encontrá-lo, custe o que custar. Por
algum motivo renunciei ao inferno, como a todos os seus prazeres. Por algum
motivo passei, durante dois anos, os dias e as noites sobre os livros, devorando-os.
Agora vejo que não existe salvação para mim...
- Espera... e não te desesperes. Vou
ensinar-te ainda umas tantas coisas... Diz-me, porém; por que deu aquele homem
uma bengalada na tua cabeça? Talvez sejas uma vitima inocente e, nesse caso,
uma parte dos teus pecados poderá ser perdoada.
O diabo fez um ar de dúvida.
- Nem eu mesmo o sei. Antes, também
acreditava ser uma vítima inocente, mas agora já não sei mais nada. A coisa
ocorreu da seguinte forma: depois de longos passeios pela cidade, cansado e
desesperado, mas ainda cheio do mais ardente desejo de fazer o bem, sentei-me na
margem do rio Arno, para descansar um pouco e restaurar as forças. De repente
vi que um homem se afogava no rio. Nos seus esforços desesperados para se salvar,
chegou muitas vezes perto de mim.
- E tu, infeliz?
- Eu? Contemplei-o, perguntando a mim
mesmo como era possível que ele se mantivesse à tona da água quando, segundo
todas as leis da física, ele já devia ter-se afogado. Enquanto assim refletia,
acudiu uma porção de gente, atraída pelos seus gritos. Se o senhor quer saber a
verdade, não foi um só que me bateu, mas inúmeros...
Triste e abatido, cheio de feridas e
cicatrizes, o diabo permaneceu de pé ante o sacerdote.
Este contemplava-o atentamente, com ar
pensativo.
Depois suspirou e, aproximando-se dele,
atraiu-o para perto de si, beijando-lhe a fronte. Ao fazer isso, percebeu que a
cabeça do diabo estava coberta de sangue seco.
O diabo, depois de haver recebido o
beijo, disse com voz assustada:
- Tenho medo, meu padre. Vi no inferno
horrores sem nome, mas jamais me senti tão perturbado e inquieto como agora.
Não há nada mais terrível do que aspirar apaixonadamente o bem e não saber como
ele é. Não consigo compreender como podem viver as pessoas na terra, ignorando
o que é o bem. Com todo o meu coração, tenho piedade delas!
- Vivem, apesar de tudo, respondeu o
sacerdote. - Uns, como animais, sem se preocuparem com estes graves problemas;
outros procuram, como tu, o caminho do bem e da virtude, e sofrem porque não
conseguem encontrá-lo. Outros, ainda, crendo haverem encontrado o bom caminho,
inventam preceitos saudáveis e vivem perfeitamente com eles.
- E essa gente se salva? - perguntou o
diabo, desconfiado.
- Só Deus o sabe! Isto vai além dos
nossos conhecimentos... Quanto a ti, não te desesperes. Eu não te abandonarei,
e te ensinarei ainda algumas coisas mais. Não me faltará tempo nem paciência
para tanto. Tu és um diabo muito impulsivo, mas não se deve perder a esperança.
Agora, vai lavar as feridas da cabeça.
Assim terminou a conversa entre o diabo e
o sacerdote.
Ambos ignoravam que, precisamente no
momento de beijar o sacerdote a fronte abominável do diabo, ao mesmo tempo que
este, por sua vez, se compadecia dos que desconheciam o bem, se realiza esse
mesmo bem, que eles inutilmente buscavam.
Separaram-se. O sacerdote foi à procura
de novos caminhos que conduzissem ao bem. O diabo encerrou-se na igreja, atrás
das empoeiradas colunas, para ali se restabelecer dos ferimentos, e esforçar-se
por compreender os grandes e misteriosos problemas do bem e do mal.
O sacerdote começou, novamente, a ensinar
o bem ao dócil diabo. Isto, porém, foi a causa de uma nova série de
aborrecimentos para ambos. Dava o bom padre a seu discípulo ensinamentos
pormenorizados para as diferentes circunstâncias da vida, e tudo caminhava bem
enquanto estas se apresentavam justamente sob o mesmo aspecto, e na mesma ordem
prevista pelo professor.
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