quinta-feira, 24 de setembro de 2015

A Conversão do Diabo - Leonid Andreiev (Parte 3)

A CONVERSÃO DO DIABO

Leonid Andreiev

      Durante dois anos o diabo estudou de cabo a rabo todos os livros que o sacerdote lhe dera, esforçando-se por encontrar neles resposta à pergunta que o perturbava: No que consiste o bem e como fazê-lo para que não se transforme no mal?
      Há muito tempo que conhecia a língua hebraica e agora estudou também o grego, para poder ler os livros religiosos não traduzidos, no próprio original. Comparou os textos, procurando os erros que tinham escapado aos outros, fez vários descobrimentos e chegou mesmo a criar novos esquemas religiosos.
      Com tudo isso a saúde do nosso abnegado diabo começou a ressentir-se sensivelmente. Emagreceu e, apesar de tudo, não pôde encontrar resposta ao problema que tanto o preocupava. Acabou por desesperar-se.
      Ao fim de dois longos anos de sofrimento e trabalhos, apresentou-se em casa do sacerdote. Despertando-o em plena noite, gritou-lhe:
      - Salva-me, meu padre !
      - Vamos vamos! O que aconteceu? - perguntou o sacerdote espantado. – Que te sucede agora?
      - Li todos os seus livros e continuo tão ignorante como antes a respeito de tudo que se refere ao bem. Salva-me, meu padre! Eu não posso viver assim!
      - Está certo de que lestes todos os livros? Tens tão pouca paciência?
      - Todos, meu padre! Agora mesmo terminei o último. Desgraçadamente, para mim, tenho um espírito curioso, diabólico e incapaz de suportar contradições, e os seus livros estão cheios delas...
      O sacerdote moveu a cabeça num gesto de reprovação.
      - Isso é mau!... muito mau... Em vez de crer, não fazes outra coisa senão criticar e procurar contradições. Satanás te incita a isso.
      - Que posso fazer? Não posso ser de outra maneira. Não encontro nesses livros senão contradições. De um lado, tudo é proibido, de outro, tudo é permitido; o que é bom segundo um livro, torna-se mau noutro. Por exemplo: para começar dignamente uma nova vida, tinha a intenção de me casar com uma mulher honrada, a fim de praticar o bem ao seu lado. Mas depois de ter lido todos esses livros, já não sei se o matrimônio é um bem ou é um mal.
      - Aquele que se sente capaz...
      - Não se trata disso. O senhor, por exemplo, é celibatário, como todos os sacerdotes católicos, que consideram o matrimônio como um pecado mortal. No entanto, os antigos patriarcas, que eram tão santos como os senhores, possuíram mulher, e até muitas mulheres cada um. Se São Joaquim não se tivesse casado, não teria aquela filha, que era uma santa também...
      - Cala-te, pecador!... É realmente perigoso falar contigo. Obriga-nos a incorrer em heresias... Se te parece bem, casa-te.
      - Não é isto que espero do senhor.
      - Que esperas então?
      - Preciso de uma resposta que me possa servir sempre, para todos os casos da vida, que encerre em si nenhuma contradição, e que me indique como devo proceder para não cometer erros. Isso é o que necessito. Quanto ao matrimônio, como não tenho pressa, esperarei um pouco. Entretanto, meu padre, reflita. Concedo-lhe o prazo de sete dias. Se, transcorrido este prazo, o senhor não me puder dar uma resposta clara e decisiva, voltarei ao inferno, e o senhor não me verá nunca mais.
      Estava furioso o pobre diabo! Como se apaixonara pela causa do bem!
      O velho sacerdote, compreendendo seu estado de alma, não se zangou ao ouvir suas grosseiras palavras e começou a refletir. Refletiu seis dias seguidos.
      No sétimo, chamou o diabo, dizendo-lhe:
      - És um diabo inteligente e, no entanto, ao leres os livros, escapou-te uma coisa muito importante. Olha aqui: vê o que está escrito: "Ama a teu próximo como a ti mesmo". Bem vês que não pode ser mais claro. Ama. A isto se reduz tudo.
      O sacerdote tinha um ar triunfal.
      Mas o diabo não parecia nem um pouco entusiasmado, e respondeu:
      - Não! Isso não está claro. Para provar o amor do próximo, é preciso fazer-lhe algum bem; mas como ignoro em que consiste o bem, posso fazer-lhe algum mal, algum grande mal, até mesmo arremessá-lo ao inferno. Além disso, não é nada difícil isso de dizer que devemos amar ao próximo como a nós mesmos...
      - Como és exigente! Pois bem: ama o teu próximo simplesmente, e não como a ti mesmo. Então compreenderás tudo, principiarás a praticar o bem, sem nenhum esforço de tua parte.

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