A CONVERSÃO DO DIABO
Leonid Andreiev
Durante dois anos o diabo estudou de cabo
a rabo todos os livros que o sacerdote lhe dera, esforçando-se por encontrar
neles resposta à pergunta que o perturbava: No que consiste o bem e como
fazê-lo para que não se transforme no mal?
Há muito tempo que conhecia a língua
hebraica e agora estudou também o grego, para poder ler os livros religiosos
não traduzidos, no próprio original. Comparou os textos, procurando os erros
que tinham escapado aos outros, fez vários descobrimentos e chegou mesmo a
criar novos esquemas religiosos.
Com tudo isso a saúde do nosso abnegado
diabo começou a ressentir-se sensivelmente. Emagreceu e, apesar de tudo, não
pôde encontrar resposta ao problema que tanto o preocupava. Acabou por
desesperar-se.
Ao fim de dois longos anos de sofrimento
e trabalhos, apresentou-se em casa do sacerdote. Despertando-o em plena noite,
gritou-lhe:
- Salva-me, meu padre !
- Vamos vamos! O que aconteceu? -
perguntou o sacerdote espantado. – Que te sucede agora?
- Li todos os seus livros e continuo tão
ignorante como antes a respeito de tudo que se refere ao bem. Salva-me, meu
padre! Eu não posso viver assim!
- Está certo de que lestes todos os livros?
Tens tão pouca paciência?
- Todos, meu padre! Agora mesmo terminei
o último. Desgraçadamente, para mim, tenho um espírito curioso, diabólico e
incapaz de suportar contradições, e os seus livros estão cheios delas...
O sacerdote moveu a cabeça num gesto de
reprovação.
- Isso é mau!... muito mau... Em vez de
crer, não fazes outra coisa senão criticar e procurar contradições. Satanás te
incita a isso.
- Que posso fazer? Não posso ser de outra
maneira. Não encontro nesses livros senão contradições. De um lado, tudo é
proibido, de outro, tudo é permitido; o que é bom segundo um livro, torna-se
mau noutro. Por exemplo: para começar dignamente uma nova vida, tinha a
intenção de me casar com uma mulher honrada, a fim de praticar o bem ao seu
lado. Mas depois de ter lido todos esses livros, já não sei se o matrimônio é
um bem ou é um mal.
- Aquele que se sente capaz...
- Não se trata disso. O senhor, por
exemplo, é celibatário, como todos os sacerdotes católicos, que consideram o
matrimônio como um pecado mortal. No entanto, os antigos patriarcas, que eram
tão santos como os senhores, possuíram mulher, e até muitas mulheres cada um.
Se São Joaquim não se tivesse casado, não teria aquela filha, que era uma santa
também...
- Cala-te, pecador!... É realmente
perigoso falar contigo. Obriga-nos a incorrer em heresias... Se te parece bem,
casa-te.
- Não é isto que espero do senhor.
- Que esperas então?
- Preciso de uma resposta que me possa
servir sempre, para todos os casos da vida, que encerre em si nenhuma
contradição, e que me indique como devo proceder para não cometer erros. Isso é
o que necessito. Quanto ao matrimônio, como não tenho pressa, esperarei um
pouco. Entretanto, meu padre, reflita. Concedo-lhe o prazo de sete dias. Se,
transcorrido este prazo, o senhor não me puder dar uma resposta clara e
decisiva, voltarei ao inferno, e o senhor não me verá nunca mais.
Estava furioso o pobre diabo! Como se
apaixonara pela causa do bem!
O velho sacerdote, compreendendo seu
estado de alma, não se zangou ao ouvir suas grosseiras palavras e começou a
refletir. Refletiu seis dias seguidos.
No sétimo, chamou o diabo, dizendo-lhe:
- És um diabo inteligente e, no entanto,
ao leres os livros, escapou-te uma coisa muito importante. Olha aqui: vê o que
está escrito: "Ama a teu próximo como a ti mesmo". Bem vês que não
pode ser mais claro. Ama. A isto se reduz tudo.
O sacerdote tinha um ar triunfal.
Mas o diabo não parecia nem um pouco
entusiasmado, e respondeu:
- Não! Isso não está claro. Para provar o
amor do próximo, é preciso fazer-lhe algum bem; mas como ignoro em que consiste
o bem, posso fazer-lhe algum mal, algum grande mal, até mesmo arremessá-lo ao
inferno. Além disso, não é nada difícil isso de dizer que devemos amar ao
próximo como a nós mesmos...
- Como és exigente! Pois bem: ama o teu
próximo simplesmente, e não como a ti mesmo. Então compreenderás tudo,
principiarás a praticar o bem, sem nenhum esforço de tua parte.
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