sexta-feira, 25 de setembro de 2015

A Conversão do Diabo - Leonid Andreiev (Parte 4)

A CONVERSÃO DO DIABO

Leonid Andreiev

      - Amar? Como se isto fosse tão fácil! É precisamente o que não posso fazer. De que maneira quer o senhor que um diabo ame? Compreenda-me, padre, que sendo diabo por natureza, não posso me sentir como um anjo; mas ao mesmo tempo não quero fazer mal, antes, ao contrário, pretendo somente fazer o bem. Isto é o que desejo que o senhor me ensine.
      O sacerdote respondeu-lhe tristemente:
      - Por desgraça, por causa da tua natureza, tu possues uma alma abominável.
      - Claro! - confirmou o diabo. - Por isso quero lutar contra minhas inclinações naturais. Não quero ser condenado ao inferno para toda a eternidade, pois aspiro ao céu, como os anjos. Espero que os anjos não sejam os únicos candidatos ao céu, não é verdade?... Preciso que o senhor me ajude. Concedo-lhe, novamente, um prazo de sete dias. Se não encontrar o senhor nenhum meio de salvar-me, acabou-se. Irei para o inferno!
      Passaram-se outra vez os sete dias.
      O sacerdote chamou novamente o diabo e lhe disse:
      - Depois de largas reflexões, encontrei para ti dois preceitos muito práticos. Espero que não tenhas nenhuma dificuldade em adotá-los. Está escrito no Evangelho: "Se te pedem a camisa, dá-a, embora não tenhas outra". Outro preceito ordena: "Se te dão uma bofetada na face direita, oferece igualmente a esquerda". Segue estes mandamentos. Será a tua primeira prova. Logo veremos o resultado. Hás de convir que é muito simples!
      O diabo refletiu um pouco, sorrindo, depois, alegremente:
      - Isto sim! Agora já sei o que é o bem. Não sei como lhe agradecer...
      Transcorreram outras duas semanas.
      O velho sacerdote estava certo de que havia encontrado o meio de salvar a alma do diabo. Mas logo este voltou a sua casa. Mostrava-se mais triste do que nunca: estava com o rosto cheio de manchas de sangue e de cicatrizes. Brilhava no seu corpo escuro uma camisa complemente nova.
      - Isto não dá resultado! - declarou com voz pesarosa!
      - Que dizes? Que te aconteceu? - perguntou assustado o sacerdote - é de se acreditar que brigaste com alguém. Olha teu nariz... E teus olhos?... Ai! meu Deus! Tinhas a intenção de praticar o bem e, ao invés, te entregaste a brigas... Ou será que alguém te feriu?
      - Não! O caso é que eu briguei.
      - Mas, como? Não te havia dito: "Se alguém te dá uma bofetada na face direita, oferece igualmente a esquerda?" Não te recordas?
      - Sim, recordo-me perfeitamente. Estive durante quinze dias, passeando pela cidade, à procura de alguém que me esbofeteasse, mas como ninguém o fez, me vi na impossibilidade de cumprir o santo preceito.
      - Mas não disseste que andaste a brigar?
      - Isto é outro caso. Tive uma disputa com certo senhor; ele me deu uma bengalada na cabeça. Naturalmente eu lhe devolvi a pancada. A discussão acabou numa verdadeira batalha. Sem me ufanar disso, devo informar ao senhor que ele não foi sem uma lembrança minha: quebrei-lhe duas costelas.
      O velho sacerdote fez um gesto de desesperação:
      - Mas, homem! Eu te havia dito "Se te esbofeteiam a face direita... Mas o diabo o interrompeu, gritando:
      - Eu digo ao senhor que não me deram na cara, mas na cabeça. Se se tratasse do rosto, teria sabido como fazer...
      O pobre sacerdote ficou completamente desnorteado. Afinal, depois de um largo silêncio, disse ao diabo:
      - Ai meu Deus! Como és estúpido! Geralmente mostras grande habilidade, e até mesmo regular erudição, mas no que se refere ao conceito do bem, qualquer um o entende melhor. Como não compreendeste que as palavras do Evangelho devem ser interpretadas num sentido mais amplo?
      - No entanto, o senhor mesmo disse que não se deve interpretar os santos preceitos, e sim cumpri-los ao pé da letra!...
      - Tu és um desgraçado! Que vou fazer agora contigo? Não posso seguir-te por toda a parte, para acautelar-te sobre os erros... É preferível que não saias à rua... E que quer dizer esta camisa nova? Ganhas-te-a, de presente?
      - Qual! Comprei-a para dar ao primeiro que ma pedisse. Durante quinze dias estive passeando pela cidade, entre os pobres. Pediram-me tudo que o senhor possa imaginar, menos a camisa. Provavelmente ignoram o caminho do bem...

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