A CONVERSÃO DO DIABO
Leonid Andreiev
- Amar? Como se isto fosse tão fácil! É
precisamente o que não posso fazer. De que maneira quer o senhor que um diabo
ame? Compreenda-me, padre, que sendo diabo por natureza, não posso me sentir
como um anjo; mas ao mesmo tempo não quero fazer mal, antes, ao contrário,
pretendo somente fazer o bem. Isto é o que desejo que o senhor me ensine.
O sacerdote respondeu-lhe tristemente:
- Por desgraça, por causa da tua
natureza, tu possues uma alma abominável.
- Claro! - confirmou o diabo. - Por isso
quero lutar contra minhas inclinações naturais. Não quero ser condenado ao
inferno para toda a eternidade, pois aspiro ao céu, como os anjos. Espero que
os anjos não sejam os únicos candidatos ao céu, não é verdade?... Preciso que o
senhor me ajude. Concedo-lhe, novamente, um prazo de sete dias. Se não
encontrar o senhor nenhum meio de salvar-me, acabou-se. Irei para o inferno!
Passaram-se outra vez os sete dias.
O sacerdote chamou novamente o diabo e
lhe disse:
- Depois de largas reflexões, encontrei
para ti dois preceitos muito práticos. Espero que não tenhas nenhuma
dificuldade em adotá-los. Está escrito no Evangelho: "Se te pedem a
camisa, dá-a, embora não tenhas outra". Outro preceito ordena: "Se te
dão uma bofetada na face direita, oferece igualmente a esquerda". Segue
estes mandamentos. Será a tua primeira prova. Logo veremos o resultado. Hás de
convir que é muito simples!
O diabo refletiu um pouco, sorrindo,
depois, alegremente:
- Isto sim! Agora já sei o que é o bem.
Não sei como lhe agradecer...
Transcorreram outras duas semanas.
O velho sacerdote estava certo de que
havia encontrado o meio de salvar a alma do diabo. Mas logo este voltou a sua
casa. Mostrava-se mais triste do que nunca: estava com o rosto cheio de manchas
de sangue e de cicatrizes. Brilhava no seu corpo escuro uma camisa complemente
nova.
- Isto não dá resultado! - declarou com
voz pesarosa!
- Que dizes? Que te aconteceu? -
perguntou assustado o sacerdote - é de se acreditar que brigaste com alguém.
Olha teu nariz... E teus olhos?... Ai! meu Deus! Tinhas a intenção de praticar
o bem e, ao invés, te entregaste a brigas... Ou será que alguém te feriu?
- Não! O caso é que eu briguei.
- Mas, como? Não te havia dito: "Se
alguém te dá uma bofetada na face direita, oferece igualmente a esquerda?"
Não te recordas?
- Sim, recordo-me perfeitamente. Estive durante
quinze dias, passeando pela cidade, à procura de alguém que me esbofeteasse,
mas como ninguém o fez, me vi na impossibilidade de cumprir o santo preceito.
- Mas não disseste que andaste a brigar?
- Isto é outro caso. Tive uma disputa com
certo senhor; ele me deu uma bengalada na cabeça. Naturalmente eu lhe devolvi a
pancada. A discussão acabou numa verdadeira batalha. Sem me ufanar disso, devo
informar ao senhor que ele não foi sem uma lembrança minha: quebrei-lhe duas
costelas.
O velho sacerdote fez um gesto de
desesperação:
- Mas, homem! Eu te havia dito "Se
te esbofeteiam a face direita... Mas o diabo o interrompeu, gritando:
- Eu digo ao senhor que não me deram na
cara, mas na cabeça. Se se tratasse do rosto, teria sabido como fazer...
O pobre sacerdote ficou completamente
desnorteado. Afinal, depois de um largo silêncio, disse ao diabo:
- Ai meu Deus! Como és estúpido!
Geralmente mostras grande habilidade, e até mesmo regular erudição, mas no que
se refere ao conceito do bem, qualquer um o entende melhor. Como não
compreendeste que as palavras do Evangelho devem ser interpretadas num sentido
mais amplo?
- No entanto, o senhor mesmo disse que
não se deve interpretar os santos preceitos, e sim cumpri-los ao pé da letra!...
- Tu és um desgraçado! Que vou fazer
agora contigo? Não posso seguir-te por toda a parte, para acautelar-te sobre os
erros... É preferível que não saias à rua... E que quer dizer esta camisa nova?
Ganhas-te-a, de presente?
-
Qual! Comprei-a para dar ao primeiro que ma pedisse. Durante quinze dias estive
passeando pela cidade, entre os pobres. Pediram-me tudo que o senhor possa
imaginar, menos a camisa. Provavelmente ignoram o caminho do bem...
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