terça-feira, 8 de setembro de 2015

Ser Feliz - Patativa do Assaré

Ser Feliz
Patativa do Assaré

Que tens, rico poderoso,
Que em vez de um supremo gozo
Tu vives tão desgostoso,
Cabisbaixo e triste assim?
Nessa tristeza absorto,
Com o teu coração morto,
Não acharás um conforto
Nos teus tesouros sem fim?

Se aí por esse ambiente,
Ante o cofre reluzente
Tua pobre alma não sente
Prazer e consolação,
Abandona o teu tesouro,
O brilhante, a prata e o ouro,
E vem consolar teu choro
Nas cabanas do sertão.

Vem matar o teu desejo
Aqui, onde o sertanejo,
Fruindo um prazer sobejo,
Não sente o peso da cruz,
E onde a lua cor de prata,
Linda, majestosa e grata,
Estende por sobre a mata
Sua toalha de luz.

Vem consolar os teus prantos,
Ouvir das aves os cantos
E admirar os encantos
Das obras da criação.
Contemplando a natureza
Expulsarás, com certeza,
Esse manto de tristeza
Que vive em teu coração.

Eu sei, por experiência,
Pois desde a minha inocência,
Nesta estrada, a Providência
Dirigiu os passos meus.
A vida vivo gozando,
Sorrindo, alegre e cantando,
Sempre amando e admirando
As maravilhas de Deus.

Nunca descreve a verdade
Quem diz que a felicidade
Vive lá pela cidade,
Entre as galas do salão.
Ela reina soberana
É dentro de uma choupana,
Ao lado de uma serrana
Que sabe mexer pirão.

É ao lado da sertaneja,
Que trabalha, que peleja,
E na vida só deseja
Cumprir o santo dever,
Sempre alegre, a fazer festa,
Boa, carinhosa e honesta,
Forte cabocla modesta,
Que sabe amar e sofrer.

Ela reina na palhoça,
Na mais rude e pobre choça
Do pobre bardo da roça,
Que no terreiro do lar,
À noite todo pachola,
Entre os filhos, que o consola,
Dedilha a sua viola,
Cantando à luz do luar.

Ser feliz é ser ditoso,
Ser nobre é ser venturoso,
Não é ser um poderoso,
Ser rico é ter posição.
A doce felicidade
É filha da soledade,
Nasceu na simplicidade
Sem ouro, sem lar, sem pão.

(“Patativa do Assaré – Melhores Poemas”, seleção de Cláudio Portella, Global Editora e Distribuidora Ltda., São Paulo, 2006, Páginas 308 a 311.)

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