domingo, 10 de janeiro de 2016

Rapsódia - Roberto Medeiros

Rapsódia
Roberto Medeiros
(Juiz de Fora – MG)

Com minha alma transbordando
De ansiedades e ternura,
Como a luz fui penetrando
Pelas frinchas da moldura
Daquele reino de opala,
Nesta aquarela chinesa,
Onde devia encontrá-la
Desperdiçando beleza!...

O sol rendilhando o chão
Abria leques nas sombras
Diluindo a escuridão
Preguiçosa nas alfombras...
Raios de luz qual palhetas
Neste painel que deslumbra,
Projetavam silhuetas
Afugentando a penumbra!...

Envolta em fluida neblina
Que revestia as veredas,
Minha alma ouvia em surdina,
Como sussurros de sedas,
A sinfonia dos ventos,
Os acordes das aragens
Perfumando estes momentos
Com o aroma das folhagens!...

Coloridos matinais,
Gorgeios e murmurinhos,
Doces notas musicais
Da orquestra de passarinhos,
Naquele sonoro estúdio,
Enternecido eu ouvia,
Suavíssimo prelúdio
Em homenagem ao dia!...

Vi o bailado das folhas
Que em provocantes acintes
E caprichosas escolhas
Sofisticavam requintes,
Como se fossem ciganas
Rodopiavam felizes
E teciam filigranas
No arabesco das raízes...

Formando um leito de plumas
Coberto por nuvens brandas,
Tecido em fio de espumas,
Debruado por guirlandas...
Macia alcova de fada
Feita por anjos travessos,
Para as delícias da amada,
Com lascivos adereços...

Carpindo loas aflitas
Em redondilhas sonoras,
Pensava cousas não ditas
Na amarga fuga das horas,
À espera que ela surgisse
Aplacando os meus desejos,
Com sua graça e meiguice,
Com seus carinhos e beijos!...

Na deslumbrante aquarela
Por mãos divinas pintada,
Ela surgiu bem mais bela
Que as nuances da alvorada,
Vaporizando os martírios
Destas horas tão ansiosas,
Com a fragrância dos lírios,
Com o perfume das rosas!...

Era a manhã que nascia
Gêmea da própria manhã
Que invejosa se escondia
Ante a beleza da irmã...
Era um poema de luz
Refletindo em rosicler,
Um sorriso que seduz,
Os encantos de mulher!...

No murmúrio de quem ousa
Pontilhar as reticências,
Seu olhar no meu repousa
Pejado de confidências...
Lindas mensagens cifradas,
Resumo de nossas vidas:
Perguntas não formuladas,
Respostas não proferidas!...

Inesquecíveis segundos
Que nos valeram por anos
Cristalizando profundos,
Nossos anseios humanos
Que o tempo nunca desmente
Embora passe veloz,
Testemunhando silente
O que existiu entre nós...

Enquanto a manhã vibrava
Na adolescência do dia,
A noite em minha alma escrava
Soturnamente descia
Na porcelana do ocaso
Do meu sonho interior,
Que contrafeito extravaso
Em pesadelos de dor...

Porque vejo com tristeza,
Maculando esta obra-prima,
Serem mais que a natureza
E o próprio amor que sublima,
Os preconceitos e normas
Que a praxe determinou
Na indumentária das formas
Que a mente humana criou!...

E a natureza se acalma,
Presságio de despedida,
Eclipse na minha alma,
Pôr-do-sol de minha vida...
Adeus meu reino de opala,
Berço de instantes risonhos,
Adeus derradeira escala,
Campo-santo dos meus sonhos!...

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