terça-feira, 5 de janeiro de 2016

Timoneira - Roberto Medeiros

Timoneira
Roberto Medeiros
(Juiz de Fora – MG)

A José Carlos de Lery Guimarães.

Lenira veio do mar
no marulho das ondas noivando as areias,
na esteira das espumas,
no véu das sereias...
Assim como a vaga que chega e desmaia no colo da praia.
E carpindo lamúrias
à deriva de escolhos
trouxe dentro dos olhos
o verde-azul dos mares em fúria.

Com Lenira veio
um doce meneio
no som do bailado que encanta, que amaina.
E trouxe na pele o tom de doirado,
o bronze na face
e nos seios de paina
a volúpia das mulheres nativas das Ilhas do Sul.

Nos compassos da lira
as garças em núpcias
emprestaram à Lenira o balé de seus passos.

Lenira veio do mar
no declive dos degelos,
nos presságios das trovoadas.
Por vias estranhas chegou às montanhas
trazendo nos cabelos a aragem das madrugadas...

Na imitação dos sentidos enganados,
num plágio de lamentos,
ressoam em seus ouvidos
os assobios dos ventos enciumados
pela insistência das palmeiras que lhe acenam à distância,
em longas reverências...

Lenira veio do mar...
leve como o murmúrio das Ninfas,
livre como o sonho que veleja...
E as estrelas do mar
e as estrelas do céu
eclipsaram-se no manto do despeito,
nas brumas da inveja.

Até Iemanjá
cheia de mágoas,
não mais se perfuma,
nem se mira no espelho das águas,
nem sequer alisa
nos acordes da brisa
seus cabelos de espuma.

Ninguém,
(murmura um poeta)
nem Mãe Janaína,
nem mesmo a neblina
chorou a morte da gaivota simples.

Lenira trouxe
nos olhos doces e mansos
a calma das enseadas
e a paz dos remansos.
Dentre tantas oferendas
trouxe estórias e lendas do Reino de Netuno
que em maremoto oportuno,
abriu as portas do Templo
dando o exemplo do pescador
que mergulha para a morte,
mas, que na maré da sorte,
poderá voltar
do fundo do mar
com as mãos cheias de pérolas...

Da conquista sagrada,
sacrifício de muitos e muitos
pequenos golfinhos,
heróis incansáveis
na luta contínua contra os peixes-espada,
defensores gratuitos dos tesouros marinhos...

Lenira veio do mar
pejada de amores,
trazendo os rumores azuis da virtude,
no saber multiforme
do mar que não dorme em sua inquietude.

Na ressonância das conchas
- mensagem de alma sincera que pelos mares flutua –
trouxe a calma e o segredo da Verdade:
- A vida sem liberdade é tempo sem primavera,
é corpo sem alma, é noite sem lua.

Lenira veio do mar
cheia de encanto e ternura,
iluminada dos brilhos
de faróis verdadeiros...
E veio para mostrar
- Timoneira da Ventura –
rota nova aos andarilhos,
novo porto aos marinheiros...

Velho marinheiro de mares distantes,
embalo nas ondas meus sonhos e crenças,
no bojo, Lenira, das velas errantes
singrando, tranqüilo, nas vagas imensas,
na busca incessante do dia-futuro
por entre borrasca, tufão, tempestade,
na ânsia incontida do porto-seguro,
no abraço fraterno do Cais da Igualdade.

(Prêmio “Casemiro de Abreu”, 1º Torneio Nacional de Poesia Falada, promovido pela Secretaria de Educação e Cultura do Estado do Rio de Janeiro, outubro de 1968.)

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