“FRANCISCA JÚLIA DA SILVA nasceu em
Xiririca (atual Eldorado), às margens do rio Ribeira, Estado de São Paulo, em
31 de agosto de 1871. Filha de Miguel Luso da Silva e Cecília Isabel da Silva;
ele, advogado aprovisionado, ela professora; ambos sobreviveram-lhe. Aos 8 anos
de idade, na companhia de seus pais, foi estudar em São Paulo, Capital.
Iniciou muito cedo a sua vida
literária, publicando poesias no Correio Paulistano, e, no Rio de Janeiro, no
Álbum, de Artur Azevedo, e em A Semana, de Valentim Magalhães. Artur Azevedo,
Valentim Magalhães, Araripe Júnior e, mais insistentemente, João Ribeiro não
acreditaram ser a autoria dos versos de uma mulher... Mas este último acabou
por prefaciar entusiasticamente o livro Mármores (1895), que teve acolhimento
triunfal. Esse livro situou a sua
autora, de imediato, na expressão de Vicente de Carvalho, como o ‘mais vigoroso
e legítimo representante do Parnasianismo’. Quando aparece Esfinges (1903),
nova feição de Mármores, expungido de algumas produções juvenis e acrescentadas
outras mais recentes, já Francisca Júlia era um nome nacional de primeira
plana.
Em 1906, residia em Cabreúva, onde sua
mãe ensinava, e a quem auxiliava, no ensino e nos trabalhos domésticos. Há
indicações de se ter casado em 1909, com Filadelfo Edmundo Munster,
telegrafista da Central do Brasil, pessoa sem qualquer ilustração literária,
que confessava não poder avaliar o merecimento, que lhe afirmavam ser grande,
da sua ilustre esposa... Viveu, ao lado do marido, vida recatada e simples.
Durante vários anos, foi muito doente, e declarava que ‘jamais poria o véu de
viúva’, como declarou a um jornalista. Filadelfo faleceu, tuberculoso, em São
Paulo, a 31 de outubro de 1920. Tendo ido repousar em seu leito, Francisca
Júlia foi encontrada morta na manhã de 1º de novembro, de uma hemorragia
cerebral, antes, portanto, do enterro do marido. Falou-se em traumatismo, com
provável pertinência. O seu enterro, no Cemitério do Araçá, ocorreu no Dia de
Finados.
Sobre o seu túmulo o seu Estado natal fez
erigir, em virtude de lei proposta pelo poeta simbolista Freitas Vale (Jacques
d’Avray), uma estátua da autoria de Vítor Brecheret, de impressionante porte, e
acerca da qual Menotti Del Picchia escreveu: ‘Na augusta expressão dos seus
olhos, do seu busto ereto, das suas mãos rítmicas, há toda a grandeza e a beleza daquela musa
impassível da formidável parnasiana que concebeu e realizou a ‘Dança das
Centauras’.
No entanto, na sua importante,
realmente reveladora edição das Poesias (completas) de Francisca Júlia,
Péricles Eugênio da Silva Ramos apõe uma nuançada impressão do poeta de Juca
Mulato da obra realmente altaneira de Brecheret: ‘Mas apesar de branca, imóvel
e impassível, suas linhas, principalmente de perfil, como que fremem
angustiadamente sobre os despojos da poetisa que desejou morrer e teve o seu
voto atendido para que não ficasse sozinha no mundo.’
Quando, em conferência realizada em
memorável série de Vesperais promovidas por Adelino Magalhães – essa na
Biblioteca Nacional -, o autor deste Panorama focalizou a figura da poetisa de
Esfinges, em parte incluída no livro O Suave Convívio, aparecido no ano
seguinte, pôs ele a tônica na velada, porém indisfarçável, sensibilidade da
‘poetisa impassível’, documentando a assertiva com a transcrição do poema
‘Mudez’, que só agora, à vista da referida edição, ficou verificado tratar-se
de obra juvenil. A minha impressão era a duma confidência tardia. A grande
celebridade de Francisca Júlia era a da parnasiana ilustre, que somente não
fora chamada para a Academia Brasileira de Letras, então baluarte inexpugnável
do Parnasianismo com exclusividade, devido ao dispositivo estatutário que
interdiz a entrada de mulheres naquele areópago – tão festejada fora pelos
maiorais da corrente. Curioso, porém, que simbolistas categorizados com os
quais convivi, admirassem vivamente a autora de ‘Os Argonautas’ e de o
‘Mahabarata’. Um deles, e dos maiores, Silveira Neto, num artigo de caloroso
sufrágio ao extraordinário merecimento da poetisa paulista, também observa: ‘Em
‘Mudez’, página que nos fala mais intimamente, ela soergueu por um momento o
véu da sua impassibilidade litúrgica para dar-nos mais de perto o coração, num
velado queixume.’ (O Norte, Rio, dezembro de 1920). Aliás, os simbolistas,
posso atestá-lo, eram mais equânimes nos seus julgamentos de valor do que os
seus adversários. Francisca Júlia – como também Alberto de Oliveira, paradigma
máximo de ‘impassibilidade’ – era apreciada pela sua afirmação criadora,
independentemente da tendência estética a que obedecia.
A fixação da figura de Francisca Júlia
como ‘poetisa impassível’ teve conseqüências sérias, e conduziu a equívocos
prolongados. Assim, a edição de Péricles Eugênio da Silva Ramos causou – a mim,
fortemente – surpresa, afinal, bastante grata: de verificar que a poesia
‘marmórea’ fora realizada sem a participação integral da sensibilidade e da
qualidade mais profunda de suas reais tendências imaginativas. No ano em que
Cruz e Sousa ainda nada produzira da matéria que constitui os seus livros
geniais, e que são os maiores do Simbolismo na Latino-América; no mesmo ano
(1890) em que Alphonsus de Guimaraens publicava na imprensa paulistana poesias
depois integrantes dos seus insignes primeiros livros, Francisca Júlia revelava
acentuadamente a tendência decadentista e mesmo simbolista que, como correnteza
subterrânea, sumiu ao impacto da voga provinda de Heredia mais ainda do que de
Leconte ou Gautier, e iria surdir à plena evidência no período final de sua
produção. Assim, a floração parnasiana acaba ficando como uma ilha, por assim dizer flutuante, na
totalidade de sua vida de poesia. Verdade seja que, pela qualidade do
acabamento artesanal e também pelo esplendor da visualização, a messe parnasiana
é manifestamente superior àquela, da mais íntegra autenticidade, elaborada sob
o signo do Símbolo. Talvez por aparentemente mais desinibida, num temperamento
reservado como o seu. Elemento grandemente ponderável, para melhor compreensão
desse aparente enigma psicológico, de repercussões estéticas tão paradoxais na
aparência, será atentar para o capítulo que Péricles Eugênio da Silva Ramos
intitulou ‘Feitiçaria, Lobisomem, Corpo Astral’, da Introdução da referida sua
edição. Essa preocupação com o Mistério, o Esoterismo, a Cabala estava no
espírito do tempo e os simbolistas, principalmente os paranaenses, entraram a
fundo por essa área de interesse mental.
Obras: Mármores, São Paulo, 1895;
Livro da Infância (com prefácio do seu ilustre irmão, o poeta Júlio César da
Silva), São Paulo, 1899; Esfinges, 1903; Esfinges, São Paulo, 1920 (com mais de
50 opiniões críticas); Alma Infantil, em colaboração com Júlio César da Silva,
São Paulo e Rio de Janeiro, 1912; Poesias, Introdução e Notas por Péricles
Eugênio da Silva Ramos, São Paulo, 1961.”
(“Panorama do Movimento Simbolista
Brasileiro”, págs. 493 a 495.)
escrevo orgulhosamente o meu respeito a nossa poetisa francisca Julia nascida na cidade de Xiririca hoje Eldorado, situada no Vale do Ribeira, estado de São Paulo
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