quarta-feira, 30 de dezembro de 2015

Poemas de Mauro Fonseca - Parte 1

         Em 1982, o meu saudoso amigo, poeta Mauro Fonseca, publicou um livreto chamado “Não Sou Náufrago na Ilha de Ninguém”, Naveta Publicações, desenhos de Fernando Motta Rodrigues, Juiz de Fora/MG, que dedicou aos seus pais, composto de 15 pequenos poemas, os quais irei transcrever a seguir, prestando-lhe, assim, uma carinhosa homenagem:

x-x

‘ei amigo, conhecei bem o porão de vossa casa!’

x-x

palavras sob mira 1

não, não produz
nenhuma pedra.
(invento de luz
nos seios da treva)
nunca a palavra
estranha seduz,
torna amarga
e nada traduz.

x-x

onipotente sol onipotente

sei das luzes
              deuses
mas nem deuses
       como luzes
(apenas o sol)
quero deus
        luz
mas nem luz
            como deus
(apenas o sol)

x-x

aspirinas

então morder as mãos
cuspir sangue pelo corredor
chegar à sala
e agredir os móveis
derrubando louças
quebrando cristais
gritar até que os olhos caiam
e saiam pela boca palavras e bílis
depois voltar ao quarto
e adormecer
sem nenhum compromisso
de amanhã acordar
e voltar à vida.

x-x

estranha visita

não riu das piadas
nem contou nenhuma.
(não havia mar
nem sinal de porto algum)
permaneceu sentado
não aceitou o café, nem muito menos o drink
apenas olhava para nós
apenas continuava olhando para nós.

x-x

pequeno ensaio

pros sobrinhos cleber, diogo, thiago, roberta,
ana carolina e os que ainda virão

um dia desses
a gente mostra ao espelho
algo mais que cravos e espinhas

um dia desses
a gente deixa de conservar na geladeira
os princípios da família

um dia desses
a gente ensina nossas mães
a pronunciar (direitinho) nossos nomes

um dia desses
um bando de fadas e anjinhos
removerá o telhado escuro da casa dos homens

um dia desses
o tio fica louco...

x-x

palavras sob mira 2

secar o poço
anistiando a sede
queimar o trigal
abolindo a fome
rasgar a roupa
desatando o nu
desencantando o homem.


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