quinta-feira, 31 de dezembro de 2015

Poemas de Mauro Fonseca - Parte 2

homem

prepotente o homem
surpreendente o homem
onisciente o homem
onipotente o homem

- nas horas vagas
morre de medo e de fome.

x-x

das flores

se digo flores
tão incertas
vidas que abrigam
os horizontes de tábuas misérias
por entre tocos fincados
cobertos de zinco
lacrados com pregos
morada dos famintos
das flores e dos cegos.
se lembram das flores
da fome esquecem...

ah, não maldigo
as flores que lá crescem.

x-x

invadiram o palco
em meio ao espetáculo
aleijaram a bailarina
cortaram as mãos do equilibrista
cegaram o engolidor de fogo
depois entraram nos camarins
e quebraram as luzes e os espelhos
rasgaram as fantasias
surraram o bilheteiro
voltaram urinando na lona
até o picadeiro
insultando a platéia
que de pé aplaudia
a cena em que os palhaços
eram jogados aos leões.

x-x

noite prostituta

hoje não vou beber leite
essa noite eu supuro minha úlcera
faço uma festa
e convido a puta da esquina
o bêbado irrecuperável
o guerrilheiro paranóico
o poeta e a travesti
escandalizo a vizinhança
desabo sobre a mesa
fogos de artifício
enchendo de luzes e berros a cidade
que fede a silêncio e escuridão.

x-x

espetáculo de hoje

não,
ninguém comoveu a platéia
e os aplausos
foram só por alguns minutos.
 depois que finalmente
abaixarem as cortinas
todo o sangue será lavado do palco.
amanhã,
talvez a mesma platéia volte
para ocupar as mesmas cadeiras
que esperarão em silêncio.

amanhã vocês terão outra chance.

x-x

uma questão de ótica

eu sob o teto
o palco da minha cidade
desfilo
com óculos escuros
de camelô
aguardando a tempestade
sem nenhum pudor.

x-x

na festa das feras
o estranho poeta surdo
sai pela porta dos fundos
sangrando

x-x

palavras sob mira 3

apagar
os olhos
inventar segredos
talvez um porão
bem mais fundo
mais profundo
um abismo talvez.

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