terça-feira, 27 de outubro de 2015

A Cartomante - O. Henry (Parte 1)

         Tobin e eu fomos um dia ao parque de diversões de Coney porque dispúnhamos de quatro dólares e porque Tobin precisava se distrair. Porque havia Katie Mahorner, sua namorada, do Condado de Sligo, desaparecida desde que partiu para a América três meses antes, com duzentos dólares, suas únicas economias, e cem dólares da venda das propriedades de Tobin, uma linda choupana e um porco. E desde que Tobin recebera a carta dizendo que ela viria a seu encontro, nunca mais  teve notícias de Katie. Ele colocou anúncios nos jornais, mas nada se soube da garota.
         Portanto, fomos ao parque com a ideia de que uma volta pelas atrações e o cheiro das pipocas lhe devolveriam a alegria. Mas Tobin era cabeçudo e a tristeza morava nele. Rilhou os dentes para as diversões, amaldiçoou o filme e estava pronto a bater nos pequenos homens que surgiam.
         Assim, levei-o para outro lado onde as atrações eram menos violentas. Em frente a uma pequena barraca, Tobin hesitou, seus olhos mostrando uma expressão mais humana.
         - Aqui – disse ele – vou me divertir. Quero que a maravilhosa cartomante do Nilo leia o futuro em minha mão.
         Ele acreditava piamente no sobrenatural. Tinha firmes convicções a respeito de gatos pretos, números e boletins meteorológicos.
         Entrou fascinado na tenda vermelha com fotografias de mãos onde as linhas se cruzavam como as de uma estrada de ferro. Na tabuleta, em cima da porta, estava escrito Madame Zozo – a Cartomante Egípcia. Dentro estava uma mulher gorda, vestida com uma jardineira vermelha estampada com palavras e animais. Tobin deu-lhe dez centavos e estendeu a mão. Ela pegou a mão, semelhante a um casco de cavalo, e a examinou.
         - Homem – disse Mme. Zozo – a linha do destino mostra...
         - Diga tudo – interrompeu Tobin. – Certamente não é bonito, mas está escrito na mão.
         - A linha mostra – continuou Madame – que até agora você teve muitos azares. E tem mais a vir. O monte de Vênus... ou será um calo?... mostra que você esteve amando! Houve problemas em sua vida por causa deste amor.
         - Está falando de Katie – sussurrou para mim.
         - Vejo – disse a cartomante – muito sofrimento e atribulação com a pessoa que você não consegue esquecer. Vejo as linhas da designação apontarem para a letra K e M no nome dela.
         - Meu Deus! – exclamou ele – você ouviu isto?
         - Cuidado com um homem negro e uma mulher branca, pois ambos lhe trarão problemas. Brevemente você fará uma viagem por mar e perderá o dinheiro. Vejo uma linha que traz sorte. Vai aparecer um homem que lhe dará riqueza. Você o reconhecerá quando vir seu nariz curvo.
         - E qual o seu nome? – perguntou Tobin. – Será útil para agradecer-lhe quando ele me der sorte.
         - Seu nome – disse ela, olhando pensativa – não está nas linhas, mas indica ser longo e com a letra “o”. Mais nada posso dizer. Boa noite. Não feche a porta.
         - É maravilhoso como sabe as coisas – comentou Tobin, enquanto caminhávamos para o cais.
         Quando saíamos pelos portões do parque, um negro encostou seu charuto aceso na orelha de Tobin e veio barulho. Tobin o agarrou pelo pescoço, as mulheres gritaram, e com presença de espírito tirei-o da embrulhada antes da polícia chegar. Tobin está sempre de mau humor quando se diverte.
         Quando voltávamos no barco, Tobin começou a lamentar-se, e sentindo vontade de tirar umas baforadas colocou a mão no bolso; não encontrou nada, nem dinheiro. Alguém o havia roubado durante a confusão. Portanto, sentamos nos bancos, a escutar os gringos a cantar no convés. Tobin estava mais arrasado e menos à vontade devido aos infortúnios do que quando começamos o passeio.
         Numa cadeira, contra a balaustrada, convenientemente vestida, estava uma mulher loura. Quando passou, Tobin pisou-lhe o pé sem querer e, como era educado com as mulheres quando bêbado, tentou levantar o chapéu para pedir desculpas. Mas o chapéu rolou pelo convés e caiu no mar.
         Tobin voltou e sentou-se, e eu comecei a me preocupar  com ele, pois as adversidades começavam a ser muito fortes e freqüentes. Estava tão azarado que podia bater no homem mais bem vestido que visse e tomar o comando do barco.
         Neste momento Tobin agarrou meu braço e disse, exaltado:
         - Jawn, você sabe o que estamos fazendo agora? Estamos fazendo uma viagem por mar.
         - Contenha-se – falei. – O barco vai atracar daqui a dez minutos.
         - Olhe a bela mulher branca no barco. E você esqueceu do negro que queimou minha orelha? E o dinheiro que se foi, um dólar e sessenta e cinco centavos?
         Pensei que ele enumerava suas catástrofes para justificar uma possível violência, e tentei fazê-lo compreender que tais coisas aconteciam normalmente.
         - Mas escute – disse Tobin. – Você não tem ouvidos para as profecias ou milagres dos videntes. O que foi que a cartomante leu em minha mão? Está se tornando verdade diante de meus olhos. Ela disse: “Tenha cuidado com um homem negro e uma mulher branca. Eles lhes trarão problemas”. Você já esqueceu do homem negro que já deu trabalho há pouco? Você pode me mostrar uma mulher mais branca que a loura que fez meu chapéu cair na água? E onde está o meu dinheiro? Eu o tinha quando deixamos a barraca de tiro ao alvo.
         O modo como Tobin colocou as coisas parecia corroborar a arte da clarividência, se bem que, para mim, tais acidentes poderiam ocorrer a qualquer um em Coney, sem a intervenção do além.
         Tobin levantou-se e começou a andar pelo tombadilho, olhando os passageiros com seus pequeninos olhos irados. Perguntei-lhe o porque daqueles movimentos. Nunca se sabe o que Tobin tem em mente até ele falar.
         - Você deveria saber – disse ele. – Estou procurando a salvação que a cartomante leu na minha mão. Estou procurando pelo homem de nariz curvo que vai me trazer boa sorte. É o que nos salvará, Jawn.
         Este era o barco das nove e meia, desembarcamos e andamos para a cidade pela Rua Vinte e Dois, sem chapéu. No canto de uma rua, debaixo de um bico de gás e olhando para a Lua, estava um homem. Era alto, decentemente vestido, com um charuto entre os dentes, e vi que seu nariz tinha duas corcovas, igual ao zigue-zague de uma serpente. Tobin o viu ao mesmo tempo, e eu o ouvi respirar acelerado como um cavalo quando se tira a sela. Ele caminhou direto para o homem e eu o segui.

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