“As autoridades que se encontravam pouco
adiante entregaram-se ao seu desvario de um modo bem pouco discreto. Cada qual
deixou caminho livre ao impulso do seu coração. Houve damas que, olhando para
Grenouille, batiam os punhos no ventre e suspiravam de prazer; e outras que, de
tanto desejarem e quererem o maravilhoso jovem – pois assim ele lhes parecia –,
caíam desmaiadas sem soltar um pio. Houve cavalheiros que num repente pulavam
de suas cadeiras e de novo se sentavam para novamente saltarem, suspirando
enormemente, pondo os punhos em torno do cabo das adagas como se quisessem
puxá-las e, quando já estavam puxando, empurravam de volta o aço, de tal modo
que das bainhas só se ouvia o matraquear e estalar; e outros que, calados,
apenas erguiam os olhos para o céu e juntavam as mãos em oração; o monsenhor, o
bispo, que, como se estivesse se sentindo mal, curvava a parte superior do
corpo para a frente e batia a testa sobre o joelho, até que o solidéu verde
rolou-lhe da cabeça; e, no entanto, ele nem sequer estava se sentindo mal, mas
estava gozando agora pela primeira vez em sua vida um êxtase religioso, pois um
milagre acontecera diante dos olhos de todos, o senhor se interpusera
pessoalmente aos braços do carrasco, ao revelar como anjo aquele que diante do
mundo parecia um assassino – oh, que semelhante coisa ainda acontecesse no
século XVIII! Como era grande o Senhor! E como era pequeno e ínfimo ele próprio,
tendo proferido uma maldição e um esconjuro sem neles acreditar, e só para
acalmar o povo! Oh, que ousadia, oh, que falta de fé! E agora o Senhor fazia um
milagre! Oh, que maravilhosa humilhação, que doce rebaixamento, que graça poder
ser, enquanto bispo, assim punido por Deus.
Do outro lado da barricada, o povo
entregava-se, entrementes, cada vez mais desavergonhadamente à incrível
embriaguez dos sentidos que a aparição de Grenouille desencadeara. Quem no
começo, ao olhá-lo, sentia apenas compaixão e simpatia estava agora pleno de
desejo nu e cru; quem primeiro admirara e desejara era levado ao êxtase. Todos
consideravam o homem do jaquetão azul o ser mais bonito, atraente e perfeito
que se poderia imaginar: às freiras apareceu como a terra da salvação em
pessoa; aos adeptos de Satã, como luminoso senhor das trevas; aos esclarecidos,
como ser supremo; às mocinhas, como um príncipe encantado; aos homens, como uma
cópia ideal de si próprios. E todos se sentiam por ele atingidos e dominados em
seu ponto mais sensível: ele os atingira em seu centro erótico. Era como se o
homem possuísse dez mil mãos invisíveis e como se ele tivesse posto a mão sobre
o sexo de cada uma das dez mil pessoas que o rodeavam, acariciando-o de tal
modo que cada um, homem ou mulher, mais o desejava em suas mais secretas
fantasias.
A consequência foi que a planejada
execução de um dos criminosos mais merecedores da abominação em sua época
acabou redundando na maior bacanal que o mundo havia visto desde o segundo
século antes de Cristo: pudendas senhoras rasgavam as blusas, soltavam com
histéricos gritos os seus seios, jogavam-se no chão com as saias puxadas para
cima. Homens tropeçavam com olhares errantes pelo campo da lasciva carne
exibida, puxavam, com os dedos a tremer, para fora das calças os seus membros
endurecidos, duros como se estivessem sido congelados por uma geada invisível,
caíam chiando, gemendo em qualquer lugar, copulavam nas mais impossíveis
posições e combinações, velho com virgem, jornaleiro com mulher de advogado,
aprendiz com freira, jesuíta com mulher de maçom, tudo misturado, conforme o
acaso dispusesse. O ar estava pesado com o doce cheiro do suor do desejo e
barulhento com a gritaria, com os grunhidos e gemidos dos dez mil animais
humanos. Era infernal.”
(“O Perfume –
História de um Assassino”, Patrick Süskind, Editora Record, Rio de Janeiro,
Páginas 246-247.)
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