terça-feira, 20 de outubro de 2015

"O Perfume" - Patrick Süskind

      “As autoridades que se encontravam pouco adiante entregaram-se ao seu desvario de um modo bem pouco discreto. Cada qual deixou caminho livre ao impulso do seu coração. Houve damas que, olhando para Grenouille, batiam os punhos no ventre e suspiravam de prazer; e outras que, de tanto desejarem e quererem o maravilhoso jovem – pois assim ele lhes parecia –, caíam desmaiadas sem soltar um pio. Houve cavalheiros que num repente pulavam de suas cadeiras e de novo se sentavam para novamente saltarem, suspirando enormemente, pondo os punhos em torno do cabo das adagas como se quisessem puxá-las e, quando já estavam puxando, empurravam de volta o aço, de tal modo que das bainhas só se ouvia o matraquear e estalar; e outros que, calados, apenas erguiam os olhos para o céu e juntavam as mãos em oração; o monsenhor, o bispo, que, como se estivesse se sentindo mal, curvava a parte superior do corpo para a frente e batia a testa sobre o joelho, até que o solidéu verde rolou-lhe da cabeça; e, no entanto, ele nem sequer estava se sentindo mal, mas estava gozando agora pela primeira vez em sua vida um êxtase religioso, pois um milagre acontecera diante dos olhos de todos, o senhor se interpusera pessoalmente aos braços do carrasco, ao revelar como anjo aquele que diante do mundo parecia um assassino – oh, que semelhante coisa ainda acontecesse no século XVIII! Como era grande o Senhor! E como era pequeno e ínfimo ele próprio, tendo proferido uma maldição e um esconjuro sem neles acreditar, e só para acalmar o povo! Oh, que ousadia, oh, que falta de fé! E agora o Senhor fazia um milagre! Oh, que maravilhosa humilhação, que doce rebaixamento, que graça poder ser, enquanto bispo, assim punido por Deus.
      Do outro lado da barricada, o povo entregava-se, entrementes, cada vez mais desavergonhadamente à incrível embriaguez dos sentidos que a aparição de Grenouille desencadeara. Quem no começo, ao olhá-lo, sentia apenas compaixão e simpatia estava agora pleno de desejo nu e cru; quem primeiro admirara e desejara era levado ao êxtase. Todos consideravam o homem do jaquetão azul o ser mais bonito, atraente e perfeito que se poderia imaginar: às freiras apareceu como a terra da salvação em pessoa; aos adeptos de Satã, como luminoso senhor das trevas; aos esclarecidos, como ser supremo; às mocinhas, como um príncipe encantado; aos homens, como uma cópia ideal de si próprios. E todos se sentiam por ele atingidos e dominados em seu ponto mais sensível: ele os atingira em seu centro erótico. Era como se o homem possuísse dez mil mãos invisíveis e como se ele tivesse posto a mão sobre o sexo de cada uma das dez mil pessoas que o rodeavam, acariciando-o de tal modo que cada um, homem ou mulher, mais o desejava em suas mais secretas fantasias.
      A consequência foi que a planejada execução de um dos criminosos mais merecedores da abominação em sua época acabou redundando na maior bacanal que o mundo havia visto desde o segundo século antes de Cristo: pudendas senhoras rasgavam as blusas, soltavam com histéricos gritos os seus seios, jogavam-se no chão com as saias puxadas para cima. Homens tropeçavam com olhares errantes pelo campo da lasciva carne exibida, puxavam, com os dedos a tremer, para fora das calças os seus membros endurecidos, duros como se estivessem sido congelados por uma geada invisível, caíam chiando, gemendo em qualquer lugar, copulavam nas mais impossíveis posições e combinações, velho com virgem, jornaleiro com mulher de advogado, aprendiz com freira, jesuíta com mulher de maçom, tudo misturado, conforme o acaso dispusesse. O ar estava pesado com o doce cheiro do suor do desejo e barulhento com a gritaria, com os grunhidos e gemidos dos dez mil animais humanos. Era infernal.”

(“O Perfume – História de um Assassino”, Patrick Süskind, Editora Record, Rio de Janeiro, Páginas 246-247.)

Nenhum comentário:

Postar um comentário