quarta-feira, 28 de outubro de 2015

A Cartomante- O. Henry (Parte 2)

          - Boa noite – disse Tobin. O homem tirou o charuto da boca e respondeu ao cumprimento.
         - Você poderia dizer como se chama? – perguntou Tobin. – Queremos ver de que tamanho é o seu nome. Talvez seja nossa obrigação ficarmos conhecidos.
         - Meu nome – respondeu o homem, educadamente – é Friedenhausman; Maximus G. Friedenhausman.
         - É do tamanho certo – disse Tobin. – E ele leva a letra “o”?
         - Não.
         - Você pode soletrá-lo com um “o”? – perguntou Tobin, ansioso.
         - Se você não consegue falar bem idiomas estrangeiros – explicou o narigudo – pode, se quiser, colocar a letra na penúltima sílaba.
         - Perfeito – disse Tobin. – Você está diante de Jawn Malone e Daniel Tobin.
         - O que é bastante honroso – disse o homem, com um cumprimento de cabeça. – E agora, já que não posso conceber que vocês estejam pelas esquinas aprendendo a soletrar, poderão dar uma razoável desculpa por estarem aqui?
         - Pelos dois signos – respondeu Tobin, tentando explicar – que você tem, que estão de acordo com a interpretação que a cartomante egípcia fez na minha mão, é você que vai me trazer boa sorte e apagar as linhas de azar que vão do homem negro à mulher loura com os pés cruzados no barco, além da perda financeira de um dólar e sessenta e cinco centavos.
         O homem olhou para mim e perguntou:
         - Você ainda tem alguma coisa a acrescentar a esta declaração? Vi pela maneira com que você o olha que está tomando conta dele.
         - Nada – respondi – exceto que como uma ferradura é semelhante a outra, assim você é o retrato da boa sorte prevista pela mão de meu amigo. Se não for, então as linhas da mão de Danny devem estar confusas, sei lá.
         - Ah, agora são dois – ironizou ele, olhando para os lados, à procura de um guarda. – Gostei  muito da companhia de vocês. Boa noite.
         Com isto enfiou o charuto na boca e caminhou pela rua, ligeiro. Mas Tobin colocou-se a seu lado e eu do outro.
         - O quê! – exclamou ele, parando na calçada do lado oposto e enfiando o chapéu na cabeça. – Vocês estão me seguindo? Eu disse que meu desejo era ficar livre de vocês. Estou indo para casa.
         - Pois vá – disse Tobin, colado à manga do paletó do homem. – Vá para casa e eu lá ficarei sentado na soleira da porta. Pois somente você pode desmanchar a maldição do homem negro e da mulher loura e da perda financeira de meus dólares.
         - Isso é alucinação! – bradou ele, virando-se para mim, lunático mais razoável. – Não seria melhor você levá-lo para casa?
         - Escute uma coisa – respondi-lhe. – Daniel Tobin é tão sensato quanto sempre foi. Talvez esteja  meio perturbado por ter bebido um pouco, mas não o suficiente para acabar com a razão, e não está fazendo outra coisa senão seguir à risca suas superstições e crenças. Vou contar o que se passou. -  E com isto contei os fatos referentes à cartomante e como o dedo da suspeita o apontou a Tobin como instrumento da sorte. – Agora compreenda minha posição nisso tudo. Sou amigo de Tobin, segundo minhas interpretações. É fácil ser amigo dos prósperos porque dá lucro; mas não é pesado ser amigo dos pobres, pois ganha-se gratidão. Porém é mais amizade ser verdadeiro amigo de um idiota nato. E é isto que estou fazendo, porque em minha opinião não há nenhuma sorte a ser lida na palma de minha mão que lá não esteja impressa pelo cabo da picareta. E além do mais você tem o nariz mais curvo de Nova York, e eu duvido que os adivinhos desta cidade possam tirar boa sorte de você. Mas as linhas de Danny apontaram para você e eu darei assistência até que ele veja que você não dá sorte.
         Depois disto o homem começou a rir. Encostou-se no canto e riu até não poder mais. Aí ele deu uma palmadinha em nossas costas e pegou-nos pelo braço:
         - O erro foi meu. Como poderia eu esperar que algo tão genial e maravilhoso viesse a mim na esquina da rua? Cheguei a pensar que não valia a pena. Ali em  frente há um café aconchegante e perfeito para entretenimento de idiossincrasias. Vamos até lá beber enquanto discutimos a invariabilidade do categórico.
         Assim dizendo, levou-nos para a sala dos fundos de um bar, pediu bebida e pagou. Olhou-nos como se fôssemos seus irmãos e pegamos charutos.
         - Vocês precisam saber – continuou o homem do destino – que na vida meu caminho é o literário. Vagueio pelas ruas à noite procurando idiossincrasias nas massas e a verdade nos céus. Quando vocês chegaram eu estava contemplando a rodovia suspensa em contraste com a Lua. O trânsito rápido é poesia e arte; a Lua é um corpo tedioso que se move pela rotina. Mas isso são opiniões pessoais, pois, no comércio da literatura, as condições são invertidas. Espero escrever um livro para explicar as estranhas coisas que descobri na vida.
         - E você vai me colocar no seu livro – disse Tobin, desgostoso – você vai me colocar no livro?
         - Não – respondeu o homem – porque as capas não comportam ainda tanto volume. O melhor que posso fazer é me deliciar com você, sozinho, pois ainda não chegou o tempo de se destruir as limitações da tipografia. Você seria fantástico tipografado. Somente eu devo beber esta taça de alegria. Obrigado, rapazes. Estou realmente agradecido.
         - Essa conversa toda – explodiu Tobin, bufando por entre os bigodes e socando a mesa – é um tersol para mim. O seu nariz torto me prometia boa sorte, mas você só fala. Você me parece, com este falatório de livro, o vento soprando por uma fenda. Agora penso que a palma da minha mão mentiu, exceto pelo homem negro, pela mulher loura e pelo...
         - Silêncio! Você se deixaria levar pela fisionomia? Meu nariz pode fazer aquilo que está dentro dos limites dele. Vamos encher os copos porque isto é bom para manter idiossincrasias quando úmido, sendo elas sujeitas a deteriorização numa atmosfera moral seca.
         Para mim o homem da literatura fazia bem, pois pagava alegremente tudo, já que o capital de Tobin e o meu se fora por profecia. Mas Tobin estava triste, e bebia quieto, com os olhos vermelhos.
         Às onze horas nos levantamos e fomos para a rua. O homem disse que tinha de ir para casa e convidou-nos para ir com ele. Chegamos a uma rua distante dois quarteirões, onde se via uma fileira de casas de tijolos com altos degraus e cercas. O homem parou em frente de uma delas e olhou para uma das janelas do alto que estava apagada.
         - É minha humilde morada – disse ele – e vejo que minha mulher já está dormindo. Portanto, me aventurarei um pouco no caminho da hospitalidade. Gostaria que vocês entrassem na sala de baixo onde jantamos habitualmente e tomassem um refrigerante. Deve haver galinha fria, queijo e cerveja. Vocês serão bem-vindos se entrarem para comer, já que estou em débito com vocês.
         Nossos apetites e consciências estavam à altura da proposta, o que pesava muito nas superstições de Danny pensar que umas bebidas e uma refeição fria representavam a boa sorte prometida pela palma de sua mão.

         - Desçam os degraus – disse o homem – que vou pela porta da frente abrir a outra. Vou pedir à nova cozinheira para fazer café antes de vocês se irem. Kathie Mahorner faz um excelente café para uma garota do interior que só chegou há três meses. Entrem, e eu a mandarei descer.

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