sexta-feira, 23 de outubro de 2015

"Os Cantos de Maldoror" - Lautréamont

      ”Ó pederastas incompreensíveis, não serei eu quem irá lançar injúrias contra vossa grande degradação; não serei eu quem irá atirar o desprezo contra vosso ânus infundibuliforme. Basta que as doenças vergonhosas, e quase incuráveis, que vos assediam, tragam consigo seu infalível castigo. Legisladores de instituições estúpidas, inventores de uma moral estreita, afastai-vos de mim, pois sou uma alma imparcial. E vós, jovens adolescentes, ou melhor, mocinhas, explicai-me como e por que (porém mantende-vos a uma distância conveniente, pois eu também não sei resistir a minhas paixões) a vingança germinou em vossos corações, para ter feito aderir ao flanco da humanidade tamanha coroa de feridas. Vós a fazeis ruborizar-se por seus filhos, por vossa conduta (que, de minha parte, venero!); vossa prostituição, oferecendo-se ao primeiro que vier, põe à prova a lógica dos mais profundos pensadores, enquanto vossa sensibilidade exagerada ultrapassa o limite do espanto da própria mulher. Sois de uma natureza mais ou menos terrestre que a de vossos semelhantes? Possuís um sexto sentido que nos falta? Não mintais, e dizei o que pensais. Não é um interrogatório, isto que vos faço: pois, desde que frequento como observador a sublimidade das vossas inteligências grandiosas, sei até onde devo ir. Sede abençoados por minha mão esquerda, sede santificados pela minha mão direita, anjos protegidos por meu amor universal. Beijo vosso rosto, beijo vosso peito, beijo com meus lábios suaves as diversas partes de vosso corpo harmonioso e perfumado. Por que não dissestes logo quem éreis, cristalizações de uma beleza moral superior? Foi preciso que eu adivinhasse sozinho os inumeráveis tesouros de ternura e castidade que ocultavam as batidas de vossos corações oprimidos. Peito ornado de grinaldas de rosa e vetiver. Foi preciso que eu abrisse vossas pernas para vos conhecer, e que minha boca se pendurasse às insígnias de vosso pudor. Mas (coisa importante para ter em mente) não esquecei de, todo dia, lavar a pele de vossas partes com água quente, pois, senão, cancros venéreos cresceriam infalivelmente sobre as comissuras fendidas dos meus lábios insaciados. Ó! se em lugar de ser um inferno, o mundo não fosse mais que um imenso ânus celeste, vede o gesto que faço com meu baixo ventre: sim, teria enfiado minha vara através do seu esfíncter sangrento, destroçando, com meus movimentos impetuosos, as próprias paredes do seu recinto! A desgraça não teria soprado, então, dunas inteiras de areia movediça nos meus olhos cegos; teria descoberto o lugar subterrâneo onde jaz a verdade adormecida, e os rios do meu esperma viscoso teriam assim encontrado um oceano onde precipitar-se. Mas por que me surpreendo a lamentar-me por um estado de coisas imaginário, que nunca receberá a recompensa da sua realização ulterior? Não vale a pena construir fugazes hipóteses. Enquanto isso, que venha a mim aquele que arde no desejo de compartilhar meu leito; mas imponho uma condição rigorosa a minha hospitalidade: é preciso que não tenha mais de quinze anos. Que ele, de sua parte, não acredite que eu tenha trinta: que diferença faz? A idade não diminui a intensidade dos sentimentos, longe disso; e, embora meus cabelos tenham se tornado brancos como a neve, não foi por causa da velhice; foi, ao contrário, pelo motivo que sabeis. Eu não gosto das mulheres! Nem mesmo dos hermafroditas! Preciso de seres semelhantes a mim, em cujas testas a nobreza humana esteja marcada em caracteres mais nítidos e indeléveis! Estais seguros de que essas, que usam longos cabelos, sejam da mesma natureza que eu? Não acredito, e não renegarei minha opinião. Uma saliva salobra escorre da minha boca, não sei por quê. Quem gostaria de chupá-la, para que eu me livre dela? Ela sobe... ela sobe sem parar! Sei o que é. Reparei que, ao beber de sua garganta o sangue dos que se deitam a meu lado (erradamente acreditam que eu seja um vampiro, pois assim são chamados os mortos que saem de seus túmulos; eu estou vivo, ora essa) devolvo no dia seguinte uma parte pela boca: eis a explicação da saliva infecta. O que quereis que eu faça, se os órgãos, debilitados pelo vício, se recusam a cumprir as funções da nutrição? Mas não revelai minhas confidências a ninguém. Não é por mim que o digo; é por vós e pelos outros, a fim de que o prestígio do segredo retenha nos limites do dever e da virtude aqueles que, magnetizados pela eletricidade do desconhecido, tentassem imitar-me. Tende a bondade de olhar para minha boca (por ora, não tenho tempo para empregar uma fórmula mais longa de cortesia); ela vos choca à primeira vista pela aparência da sua estrutura, sem introduzir a serpente em vossas comparações; isso, porque contraio seu tecido até a derradeira redução, para fazer crer que possuo um caráter frio. Não ignorais que ele é diametralmente o oposto. Que pena eu não poder olhar, através dessas páginas seráficas, a cara de quem me lê! Se não tiver ultrapassado a puberdade, que chegue perto. Aperta-me contra ti e não temas machucar-me; estreitemos progressivamente os ligamentos dos nossos músculos. Mais. Sinto que é inútil insistir; a opacidade, notável por mais de um motivo, desta folha de papel, é um empecilho dos mais consideráveis à operação da nossa completa junção. Eu sempre experimentei uma atração infame pela juventude pálida dos colégios, e pelas crianças estioladas das fábricas!”

(“Obra Completa – Lautréamont”, Editora Iluminuras Ltda., São Paulo, 1997, in “Os Cantos de Maldoror”, Canto V, Estrofe 5, Páginas 208 a 210.)

Nenhum comentário:

Postar um comentário