“O dia mais feliz da minha vida foi o dia
em que escrevi minha primeira palavra feia no muro alto do colégio – exatamente
essa bela palavra MERDA que agora me fita do outro lado da rua, como um
desafio. MERDA é tudo que não seja a morte, que talvez também o seja, e disso
sempre tiveram consciência os homens menos mentecaptos em seus momentos de
maior lucidez, e que são poucos. Merda é a própria vida, mero eufemismo para
uso dos salões elegantes e dos tratados diplomáticos, que também são uma merda
como tudo mais, como sempre o foram e o serão até o fim dos tempos. Proponho
mesmo que, em lugar dos nomes dos países, se diga simplesmente: Merda nº 1,
Merda nº 2, e assim por diante, chamando-se aos Estados Unidos a Capital de
todas as merdas, como de fato eles o são.” (Página 105)
“Uma bela noite, porém, após ter passado
toda a tarde em companhia de minha vetusta e ardente protetora, e como me
houvesse excedido um pouco em minhas doses habituais de whisky e de champagne,
deu-se o imprevisto e o inevitável: - Em pleno salão de Mme. Martínez y Viola,
descendente direta da papisa Joana, quando declamava uns versos fesceninos e
grandiloquentes o laureado poeta Silvano
dal Monte, eu não me contive e bradei com todas as forças dos meus pulmões
algumas duras verdades que, mais cedo ou mais tarde, teria mesmo que lançar no
rosto de toda aquela gente reunida em torno de mim e vivendo à custa de meus
elogios diários ou hebdomadários. Algo assim neste estilo, se não me falha a
memória: - ‘Nem parece que todos vós tendes intestinos e, na ponta desses
intestinos, um lamentável cu, exatamente igual ao que têm vosso açougueiro,
vosso chofer, vosso camareiro, vossos cachorros e vossos cavalos de raça. Vosso
cu é a melhor arma que tendes para afugentar os maus pensamentos, que são
aqueles que vos afastam da simplicidade humana e da humana aceitação da vida –
e é para o vosso cu que vos conclamo olheis diante do espelho, se preciso
de-joelhos e com uma vela na mão para enxergar melhor, toda vez que vos
sentirdes possuídos de um orgulho oceânico e vos julgardes tão poderosos quanto
vosso Deus, que pelo menos (que eu saiba) não tinha nenhum cu à vista.’ ” (Página 132)
(“A Lua Vem da Ásia”,
Campos de Carvalho, Editora Codecri, Pasquim, Rio de Janeiro, 1977, 3ª Edição.)
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