sábado, 17 de outubro de 2015

"Tartufo" - Molière

      Porque quaisquer de nós, ao menos um segundo,
      Fomos como Tartufo atrás dos bens do mundo,
      Desejando demais, fingindo não querer,
      Rezando sem ter fé, receosos de crer,
      Amando sem amor, chorando sem chorar,
      Sorrindo sem sorrir, entregando sem dar,
      Maldizendo a justiça, adorando as vinganças,
      Segredando rancor, esmagando esperanças;
      Medrosos de estender a mão para um leproso,
      Mas dele recebendo um pagamento odioso;
      Capazes de pregar virtude e castidade,
      Incapazes, porém, de domar a vontade;
      Ansiosos de olhar paisagens sutis,
      Mas evitando ver um amigo infeliz;
      Aplaudindo o cantor que tenha a bolsa rica,
      Mas recusando ouvir uma voz que suplica;
      Sonhando uma partilha igual para a riqueza,
      Contanto que ninguém se assente à nossa mesa;
      Fingindo desejar um mundo mais perfeito,
      Mas querendo implantar por lema o preconceito;
      Aconselhando o estudo e não sabendo ler,
      Pretendendo ganhar e sem saber perder,
      Desejando auferir bons lucros e a falar
      Que é no céu que a pobreza encontra o seu lugar.
      O retrato é fiel, por isso traz desgosto
      A quem reconhecer aqui seu próprio rosto...”

(“Tartufo – O Doente Imaginário”, Molière, tradução e adaptação de Guilherme Figueiredo, Editora Civilização Brasileira S. A., Instituto Nacional do Livro, Rio de Janeiro, 1975, Prólogo de “Tartufo”, Páginas 2 e 3.)

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