Porque quaisquer de nós, ao menos um
segundo,
Fomos como Tartufo atrás dos bens do
mundo,
Desejando demais, fingindo não querer,
Rezando sem ter fé, receosos de crer,
Amando sem amor, chorando sem chorar,
Sorrindo sem sorrir, entregando sem dar,
Maldizendo a justiça, adorando as
vinganças,
Segredando rancor, esmagando esperanças;
Medrosos de estender a mão para um
leproso,
Mas dele recebendo um pagamento odioso;
Capazes de pregar virtude e castidade,
Incapazes, porém, de domar a vontade;
Ansiosos de olhar paisagens sutis,
Mas evitando ver um amigo infeliz;
Aplaudindo o cantor que tenha a bolsa
rica,
Mas recusando ouvir uma voz que suplica;
Sonhando uma partilha igual para a
riqueza,
Contanto que ninguém se assente à nossa
mesa;
Fingindo desejar um mundo mais perfeito,
Mas querendo implantar por lema o
preconceito;
Aconselhando o estudo e não sabendo ler,
Pretendendo ganhar e sem saber perder,
Desejando auferir bons lucros e a falar
Que é no céu que a pobreza encontra o seu
lugar.
O retrato é fiel, por isso traz desgosto
A quem reconhecer aqui seu próprio
rosto...”
(“Tartufo – O Doente
Imaginário”, Molière, tradução e adaptação de Guilherme Figueiredo, Editora
Civilização Brasileira S. A., Instituto Nacional do Livro, Rio de Janeiro,
1975, Prólogo de “Tartufo”, Páginas 2 e 3.)
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