terça-feira, 13 de outubro de 2015

“Fela. Esta vida puta” - Carlos Moore – Parte 2

      Me fizeram entrar num Peugeot e zuuuuuuuuuuuum. Pra onde tavam me levando, eu não sabia. Em frente! Me levaram pra um hospital... militar. Fiquei pensando: ‘Agora, o que esses caras querem fazer?’
      Lá dentro, me levaram pra ver o Dr. Peters, chefe dos médicos no hospital. Ele é meu primo, saca?
      ‘Ah, Fela, como vai?, ele perguntou.
      ‘Ah...’
      ‘O que houve?’, ele perguntou; como se ele não soubesse...
      ‘Não sei pra que me trouxeram aqui’, respondi.
      ‘Siga-me’.
      Então, ele sabia, saca? Já tinham falado pra ele por que eu tinha sido levado até ele. Ele me levou pra uma sala de cirurgia. Eu tava lá, ainda sem entender o que tava acontecendo. E aí apareceu uma enfermeira. Ela carregava dois sapatos novos, do tipo que se usa em salas de cirurgia. Ela colocou eles no chão e falou: ‘Calce-os!’
      ‘Sapatos? Tá cega? Não tá vendo os sapatos no meu pé?’
      E aí, blaaaaaaam! Caiu a ficha. Pensei comigo: ‘Então, é isso?’ Olhei pra enfermeira, olhei pro médico, olhei pros policiais.
      Falei pra eles:
      “Então, vocês querem lavar meu estômago! É na minha bunda que vocês querem mexer buscando alguma coisa? Vocês acham que podem fazer, né? OK! Vão em frente! Lavem meu estômago. OK. Vocês vão me levar lá à força, certo? Vocês tão preparados pra me levar à força? OK! Porque vão ter que me levar à força! Vejam: vocês nunca vão mexer na minha bunda, por nada! Deixa eu esclarecer uma coisa: antes que vocês façam qualquer coisa comigo, toda essa sala, eu vou botar abaixo. Então, me leva pra dentro. Quero ver me colocar pra dentro, polícia filha da puta! Canalhas! Me leva pra dentro! Escrotos!”
      Ah, cara, eu tava puto pra caralho! Quando o médico ouviu que eu ia quebrar a sala de cirurgia dele, falou pra polícia: ‘Se vocês não conseguirem controlar seu prisioneiro, eu não posso fazê-lo’.
      Ao doutor eu disse: ‘Você, doutor, eu sei de uma coisa. Você não pode fazer nada com meu corpo a não ser com minha permissão expressa. Eu conheço essa lei! Então, põe isso na tua cabeça!’
      Rapaz, aquilo bagunçou a cabeça dele. Meeeerda! Ele foi embora e me deixou lá com a polícia. E aí falei pra polícia: ‘O que vocês querem fazer agora?’
      ‘Siga-nos,’ eles disseram.
      Segui eles e chegamos lá fora. Adivinha quem tava lá fora me esperando? O chefe da Interpol nigeriana, cara: Sr. Atta! Ele tava lá, aguardando o resultado do lance da minha bosta! Quando ele me viu saindo com a polícia, perguntou pra eles: ‘Vocês fizeram?’
      ‘Fela não concordou que eles fizessem, senhor’, eles responderam.
      Ele olhou pra mim como se eu fosse um bandido. Sabe o que ele falou? ‘Entre no meu carro!’
      Não no carro que eu tinha vindo, saca? Ele trouxe outro carro. Deve ter pensado que eu era burro. Ele me colocou no banco de trás. Era uma perua Peugeot, com três fileiras de bancos – banco da frente, banco do meio e banco de trás. E aí o motorista dele arrancou! Ele se virou pra mim, ainda me olhando como se eu fosse um bandido.
      ‘Conversarei com você em meu escritório’.
      ‘Você tem escritório?’ perguntei sarcasticamente. ‘Canalha, imbecil! Seu filho da puta, baixo...”
      Ah, xinguei ele igual a um cachorro vadio. Eu tava praguejando, chamando ele de tudo que era nome: ‘cachorro’, ‘canalha’, ‘escroto’, coisas desse tipo. Assim que a gente chegou em Alagbon, o Atta ordenou:
      ‘Prendam-no!’
      Quando finalmente fui levado a julgamento, me acusaram de posse de Cannabis. Porém, disseram no tribunal que eu tinha comido a maconha; que ainda tava na minha barriga, e que por isso eles queriam me manter em cana pra colher umas amostras. Sacou, cara? Quando escutei aquilo de novo no tribunal, falei: ‘Colher minha bosta? Esses policiais nunca desistem’.
      Então, o juiz perguntou: ‘Quantos dias vocês precisam para colher esse ‘negócio’, as amostras?’
      ‘Três dias’.
      E, então, me levaram de volta e me prenderam por mais três dias. Quando minha mãe ficou sabendo, começou a me mandar legumes. Eu só comia legumes. Pra disfarçar a maconha que tava lá dentro, saca? Naquele primeiro dia, eu não caguei. Eu me recusava a cagar. Aí, no meio da noite os prisioneiros me acordaram e disseram:
      ‘Fela, os policiais tão todos dormindo agora. Por que você não vai e caga no balde, porque eles não vão te ver cagando. Aí eles jogam fora, junto com a bosta de todo mundo’.
      Falei, ‘Boa ideia, cara’.
      Então, me arrastei pra fora da minha cama... cama, não, cara. Não tinha cama. Só um canto no chão da cela onde eu tava dormindo. E aí fui até onde tava o balde. A cela era uma sala com lugares diferentes pra cada um. Uma sala pequena, mais ou menos do tamanho de uma sala de estar média. Eram oito lá dentro, na época. Todo mundo tinha seu lugar. O balde pra cagar, também, tinha seu próprio lugar no canto da mesma sala. Então, fui até o canto do balde e caguei lá. De manhã a polícia jogou tudo fora, pensando que era a bosta dos outros prisioneiros. Depois, um policial chegou e disse:
      ‘Fela, você não quer cagar ainda?’
      ‘Cagar? Não, não quero cagar, não, cara!’
      Segundo dia, e minha mãe mandou legumes de novo. Na segunda noite, os prisioneiros falaram de novo. O ‘presidente’ da cela naquela época era um sujeiro chamado Rockwell. Tava preso por falsificação de notas. E já tava na cela tinha oito meses. Sem investigação. Nada. Simplesmente deixaram ele lá. Então, ele falou:
      ‘Fela, esses caras são uns canalhas. O que você cagou não foi suficiente. Então, você tem que cagar de novo hoje à noite, pra ter certeza que teu bucho tá limpo’.
      Falei: ‘Obrigado’.
      Então, naquela noite, de novo, quando todo mundo tava dormindo, fiz a mesma coisa. E aí, de manhã, jogaram fora. Assim, quando os policiais chegaram, me perguntaram de novo:
      ‘Fela, você quer cagar?’
      ‘Eu, eu não quero cagar ainda, não. A bosta? A bosta não vem!’
      Na manhã em que eu ia a julgamento, acordei às seis e meia e gritei: ‘Ei, polícia, quero cagar’.
      Aaaaaaaaah, cara, imagina a comoção na delegacia! ‘Fela quer cagar!’ Corre-corre! Todo mundo procurando um penico – policial, ordenança, oficial, todo mundo! Todo mundo queria a bosta do Fela! Me levaram pro terreiro, puseram o penico debaixo  da minha bunda e aí caguei. Quando olhei pra minha bosta, cara, tava limpa como o cocô de um bebê. Limpa! Foi assim que me livrei daquela merda aquela vez, cara. Os desgraçados não conseguiram me incriminar com porra nenhuma. Não tinha nenhuma prova!’

      (Esta e outra experiência semelhante por que Fela passou naquele mesmo ano, 1974, inspiraram seu hit ‘Cocô Caro’ (‘Expensive Shit’).”

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